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Precisamos falar sobre os riscos que a mancha de óleo traz à população brasileira

22 de outubro de 2019 - Por

Por Marcia Hirota*

Um velho ditado diz que a gente só dá valor às coisas quando as perde. Será que estamos percebendo a grave situação que nosso país enfrenta com a tragédia ambiental em curso – e ainda sem sinal de trégua – do petróleo cru que avança por mais de 200 pontos em todo o litoral nordestino?

Não se trata de uma crise do Nordeste, mas sim de país e que todos devem se envolver. Lembremos das diversas mobilizações pela Amazônia no Brasil e mundo afora. As autoridades devem agir, no mínimo, sob o princípio da precaução, mas as escolhas e esforços governamentais ainda não parecem estar proporcionais ou surtindo os efeitos que a “Amazônia Azul” merece. Além disso, o tema ainda parece distante geográfica e prioritariamente da maioria da população do País, pois falta informações sobre o que de fato está em jogo. É disso que precisamos falar.

Este é um desastre em uma área de aproximadamente 2.000 quilômetros, quase um quarto da costa brasileira – a segunda maior da América Latina, com aproximadamente 8 mil quilômetros. Ecossistemas, como manguezais e corais, foram afetados, assim como ambientes importantes para a vida das comunidades humanas que vivem no litoral, além do impacto às espécies marinhas.

Já são 900 toneladas de resíduos de óleo retiradas das praias nordestinas, segundo o governo federal. Boa parte disso coletado por voluntários, muitos deles se colocando em risco ao não utilizar Equipamentos Individuais de Proteção (EPIs), ficando expostos a substâncias perigosas que podem trazer riscos à saúde humana. Além de alergia, este petróleo cru pode entrar na corrente sanguínea e, segundo especialistas, trazer danos ainda mais graves, como o câncer.

Um estudo feito pelo grupo ‘SEPAR-Prestige’ e liderado pelo pesquisador Jan-Paul Zock, do Centro de Pesquisa em Epidemiologia Ambiental (CREAL), constatou que pescadores que participaram da limpeza do derramamento de óleo do navio-petroleiro Prestige, realizado em novembro de 2002 na costa da Espanha, continuaram com problemas respiratórios cinco anos após o acidente. Outro estudo, desta vez sete anos após o desastre da plataforma de perfuração offshore Deepwater Horizon, no Golfo do México, nos Estados Unidos, em 2010, constatou que pessoas envolvidas nas operações de limpeza de derramamento de óleo sofrem alterações persistentes ou piora de suas funções hematológicas, hepáticas, pulmonares e cardíacas.

Se estamos falando da maior tragédia ambiental da costa brasileira em termos de extensão, mesmo que seja difícil saber a origem, punir os verdadeiros culpados e evitar os danos, é urgente mitigar os impactos atuais e analisar o que está por vir. É importante neste momento também alertar para o risco à população, inclusive para o uso das praias pelos banhistas.

Governadores de estados nordestinos cobram por ações estratégicas e não improvisadas por parte da União, além de mais esforços na busca por respostas. Impressiona a falta de informação e transparência para a sociedade. Apesar de a juíza Telma Machado, da 1ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, ter considerado que a União implantou o PNC – em resposta a uma das ações do MPF –, questões fundamentais ainda se encontram sem resposta, mesmo depois de quase dois meses do início do derramamento de óleo.

Nos últimos dias, o Ministério Público Federal (MPF) moveu ações em diversos estados contra a omissão do governo federal, ordenando o recolhimento do óleo nas praias e a proteção de áreas sensíveis, assim como o acionamento do Plano Nacional de Contingência (PNC), que define ações, atores e ferramentas a serem utilizados em incidentes de poluição por óleo em águas. A Fundação SOS Mata Atlântica alerta e cobra do Ministério do Meio Ambiente, desde o surgimento do Plano, que hoje (22) completa seis anos, explicações para diversas lacunas e informações sobre sua implementação, mas nunca obteve resposta. Desde então, foram sucessivas demonstrações de que o Plano não vinha sendo implementado a contento, como agora.

Coincidência ou não, nesta terça o Exército brasileiro iniciou os trabalhos para limpeza das praias. No total, 5.000 soldados devem reforçar as ações no Nordeste. Mas, segundo o presidente em exercício, general Hamilton Mourão, a ação “serve para dar mais visibilidade às ações do governo”. Ele admitiu que a medida é uma resposta a críticas da opinião pública.

Para alguns especialistas, como o professor Ronaldo Francini-Filho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), um país que quer explorar petróleo em mar profundo, como o Brasil pretende fazer, deve ter seu plano de contingência ainda mais preparado. Além disso, se estivesse funcionando, o comitê do PNC poderia contribuir para identificar novas tecnologias para a contenção de óleo com reuniões e estudos constantes. Em vez disso, como tem dito o biólogo e professor Clemente Coelho Junior, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, o país está correndo atrás do óleo e não tentando pará-lo. Uma fala do próprio presidente em exercício general Hamilton Mourão, desta segunda (21), reforça a falta de ações eficazes. “O máximo que a gente pode fazer, hoje, é ter gente capacitada para recolher esse óleo que chega nas praias, e é isso que nós estamos fazendo”, destacou ele.

O Brasil tem mapeadas, por exemplo, suas áreas litorâneas nas Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo, alguns estados conhecem as áreas mais sensíveis há mais de uma década. Além disso, quando o PNC foi finalizado, havia a previsão de um orçamento de R$ 1 bilhão para custeio das ações de resposta. Porém, o discurso de falta de recursos volta à cena como justificativa para inação do Ministério do Meio Ambiente diante do maior desastre com petróleo no litoral brasileiro.

Um oceano saudável reflete um planeta sustentável e é essencial para o nosso bem-estar e das gerações futuras. O mar nos fornece alimento, lazer e energia, além de ser imprescindível para a estabilidade climática. 50,7 milhões de pessoas vivem no litoral e 4 milhões de famílias dependem economicamente dos recursos marinhos. Pescadores, marisqueiras, jangadeiros, guias de turismo e toda uma cadeia produtiva pode ser afetada por este desastre. Representantes do setor de viagens, por exemplo, temem redução do turismo no Nordeste na temporada de verão que se aproxima.

Temos observado sucessivos crimes ambientais, retrocessos em matérias de regulação e proteção, um discurso do século passado que privilegia a exploração e cria oposição entre meio ambiente e desenvolvimento. Mas o risco em ficar de costas para todo o ativo ambiental nacional é enorme e a sociedade brasileira precisa resistir. É hora de uma nova narrativa para a Mata Atlântica, seus ambientes costeiros e para toda a agenda ambiental do país.

*Marcia Hirota é diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.

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