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Relatório sobre Código Florestal é absurdo

21 de abril de 2012

André Lima, 20 de abril de 2012

O relator Deputado Paulo Piau (do PMDB de Minas Gerais, principal partido da base do governo Dilma) escreve com destaque em seu parecer¹ que se orgulha do trabalho na Câmara dos Deputados. Essa sincera opinião de deputado se reflete concretamente nas alterações por ele propostas no texto do Senado.

Como é demonstrado a seguir, o relatório do Deputado Piau nos leva a concluir duas coisas (não excludentes). Ou a bancada ruralista perdeu totalmente a noção dos limites e está se sentindo muito a vontade, jogando no seu próprio campo, e pretende impor uma derrota antológica ao governo (do PT) com vitória do governo do PMDB; ou, o que é mais provável, trata-se de um jogo de cena previamente combinado (como disse Marina Silva, um perfeito telequete²) entre a bancada ruralista e o Palácio do Planalto. Tal jogo de cena se materializará em uma disputa (dis)simulada no Plenário na Câmara entre apoiadores do (suposto) acordo do Senado versus a bancada ruralista da Câmara. Na peleja encenada, o Governo derruba 80% dos absurdos propostos pelo deputado Piau, combinado com os russos, a presidenta Dilma depois veta um ou outro absurdo que eventualmente passar no Plenário. Com isso, na Rio+20, Dilma posa como a musa do Desenvolvimento Sustentável ao sancionar o texto do Senado piorado que não agradaria obviamente a ambientalistas nem (dissimuladamente) a ruralistas. Vejamos no mérito.

  1. O relator rejeita o artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que apesar de ser apenas principiológico (não estabelece obrigações), define uma série de princípios que caracterizam o código florestal como uma lei ambiental. Ao rejeitar esse dispositivo, o relator reforça a tese de que o Congresso está transformando o código florestal em uma lei de consolidação de atividades agropecuárias ilegais, ou uma lei de anistia.
  2. O relator resgata o conceito original, incerto e genérico (da versão da Câmara) de pousio (art.3º XI). Na prática essa alteração significa a consolidação de desmatamentos ilegais posteriores a 2008 que serão caracterizados como áreas em pousio e vai permitir ainda novos desmatamentos legais em propriedades com áreas abandonadas, o que hoje é vedado pela Lei vigente.
  3. O novo relatório propõe, ainda, – o que é coerente com a alteração referida no item 2-, a exclusão do conceito de áreas abandonadas ou sub-utilizadas previsto no artigo 3º, inciso XX, do texto do Senado. Isso pode comprometer o próprio Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), cujo objetivo é criar incentivos à redução de emissões do setor agropecuário mediante o resgate dessas áreas para a produção. Cai um instrumento legal de pressão por recuperação e otimização produtiva de áreas hoje sub-utilizadas ou abandonadas na medida em que poderão ser abertas novas áreas de vegetação nativa nessas propriedades.
  4. O relatório dispensa a proteção de 50 metros no entorno de veredas o que significa não somente a consolidação de ocupações feitas nessas áreas como inclusive novos desmatamentos, pois deixa de existir uma faixa de proteção das veredas, sendo somente as veredas consideradas área de preservação. É como se o relator definisse somente a nascente como área de preservação e dispensasse a faixa no entorno dessa nascente como de preservação permanente. Para o bioma Cerrado, o mais ameaçado hoje pela expansão indiscriminada da agricultura, essa exclusão dos 50 metros de faixa de proteção significa a condenação das veredas.
  5. O relator suprime APP de reservatório natural com menos de 1 ha (art. 4º, §4º). Retoma a redação da Câmara o que significa acabar com APP nesses reservatórios (altamente vulneráveis) sob o argumento de que muitos deixam de existir em função das longas estiagens.
  6. O Dep. Piau aumenta as possibilidades legais de novos desmatamentos em APP ao excluir (§6º do artigo 4º) a restrição para novos desmatamentos nos casos de aquicultura em imóveis com até 15 Módulos fiscais (na Amazônia, propriedades com até 1500ha).
  7. O relatório amplia de forma indiscriminada a possibilidade de ocupação nos manguezais ao manter a separação dos Apicuns e Salgados e delegar o poder de ampliar as áreas de uso aos Zoneamentos, sem qualquer restrição e manter somente os §§ 5º e 6º do art. 12.
  8. No art. 16, o relatório retoma o § 3º do texto da Câmara para deixar claro que no cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal todas as modalidades de cumprimento são válidas: além da regeneração e da recomposição, também a compensação que poderá ser feita em outros estados.
  9. O relatório exclui critérios técnicos para manejo florestal facilitando a “supressão de árvores” em propriedades rurais. Isso significa estímulo à degradação florestal em RL (com a alteração do artigo 23).
  10. Ao suprimir o parágrafo 10 do artigo 42 o relator propõe que incentivos inclusive econômicos inclusive com recursos públicos possam ser investidos para proprietário que desmatou ilegalmente depois de julho de 2008. Instituição da corrupção ambiental. O crime passa a compensar de fato com estimulo de governo.
  11. Ao suprimir o artigo 43 do Senado o relatório elimina um dos poucos dispositivos que vincula recursos à recomposição de APPs.
  12. O Deputado Piau ressuscita a emenda 164 (de sua autoria na Câmara) que delega aos Estados a definição do que será consolidado em APP (supressão dos §§ 4º, 5º e 7º do art. 62) remetendo aos PRAs a regularização das propriedades e posses rurais. É o dispositivo da institucionalização da anistia. Sequer os 15 metros mínimos do Senado foram acatados pelo Dep. Piau.
  13. O relatório do Piau exclui também os §§ 13 e 14 do artigo 62 que tratam da possibilidade de exigências superiores às constantes na Lei, nas bacias hidrográficas consideradas críticas e das propriedades localizadas em área alcançada pela criação de unidade de conservação de proteção integral. A supressão do §13 condena mais de 70% das bacias hidrográficas da Mata Atlântica que já tem mais de 85% de sua vegetação nativa desmatada.
  14. No art. 64, o relator Piau consolida pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros.
  15. Suprime o art. 78, que veda o acesso ao crédito rural aos proprietários de imóveis rurais não inscritos no CAR após 5 anos da publicação da Lei. Com isso elimina um dos dispositivos de pressão para o cadastramento ambiental rural dos móveis e para que os estados de fato regulamentem e implementem os cadastros em no máximo 5 anos. Retira a eficácia do CAR.

O relatório do Deputado Paulo Piau, membro da base de apoio do Governo Dilma, consegue a façanha de unir o que tem de pior das duas versões já aprovadas pela Câmara e pelo Senado inclusive suprimindo os poucos e insuficientes avanços ambientais introduzidos a fórceps no texto do Senado.

Como foi dito no preâmbulo desse parecer o relatório lavrado pelo Deputado Piau (um parlamentar da base de apoio do Governo Dilma) revela com clareza a estratégia do governo de criar ambiente fictício de uma suposta vitória do Planalto ao derrubar parte dos dispositivos completamente desarrazoados.

Cabe-nos denunciar esse evidente jogo de cena, trabalhar pela rejeição in totum do relatório do deputado Piau e aproveitar esse absurdo relatório para decolar a campanha #VetaDilma, preparando uma grande manifestação da sociedade civil organizada Brasileira na Rio+20 para denunciar ao país e ao planeta que o Brasil perdeu a moral para liderar as negociações em torno da agenda socioambiental global.

*André Lima é advogado (OAB-DF 17878), mestre em Gestão e Política Ambiental pela UnB, consultor jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica e membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (Seccional do DF)

  1. Logo no início do seu voto na pág. 08.
  2. Para os que nunca viram um telequete, vejam esse patrocinado pelos ruralistas na 47ª Festa da Uva em Colombo, no PR, clicando aqui.

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