Artigo de Marcia Hirota e Leandra Gonçalves*, publicado originalmente no portal O ECO – Nos últimos meses, diversos países passaram a anunciar a criação de grandes áreas protegidas costeiras e marinhas ou até mesmo um conjunto significante de pequenas áreas. O movimento é recente. Começou com a iniciativa da Austrália em criar a maior rede mundial de reservas marinhas em 2012. Para isto, o governo do país declarou uma rede que engloba 44 reservas marinhas, cobrindo 2,3 milhões de quilômetros quadrados – um terço do seu território marinho.
Em junho, Bahamas, Ilhas Cook, Palau e Estados Unidos tornaram públicos planos de criação e ampliação de áreas marinhas protegidas. O presidente americano Barack Obama, por exemplo, propôs aumentar a proteção no entorno do Monumento Nacional Marinho das remotas ilhas do Pacífico, transformando-a na maior área marinha protegida do mundo, onde não será permitida a exploração de óleo e gás nem atividades de pesca. Mais recentemente, foi a vez de a Escócia anunciar a criação de 30 novas áreas marinhas protegidas, tornando a região a maior área protegida de toda a Europa.
O Brasil, porém, parece seguir no sentido contrário.
No país, as últimas iniciativas de criação de Unidades de Conservação (UCs) na zona costeira e marinha partiram do Poder Legislativo: Monumento Nacional das Ilhas Cagarras (RJ, 2010) e Parque Nacional Marinho da Ilha dos Currais (PR, 2013). Por iniciativa do Poder Executivo, as últimas áreas foram criadas cinco anos atrás – as Reservas Extrativistas da Prainha do Canto Verde (CE) e do Cassurubá (BA).
A inércia e a falta de prioridade para criação das UCs costeiras e marinhas no Brasil é tanta que o tema sequer é mencionado nas propostas dos novos candidatos à Presidência e nenhum dos programas de governo apresentados promete fazer mudanças para promover a compatibilização do uso e da conservação do território marinho.
Esse cenário ilustra o grande conflito existente na costa brasileira – e que seria facilmente solucionado com planejamento e políticas mais equilibradas, que envolvessem não apenas a exploração, mas também a sustentabilidade dos recursos naturais e dos ecossistemas costeiros e marinhos.
Em um rápido levantamento, é possível resgatar o manifesto pró-UCs apresentado por entidades da sociedade civil, aprovado por unanimidade no Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação em 2012. A lista, assinada por 72 especialistas de todo o país e proposta por 43 instituições, incluía 19 Unidades de Conservação cujos processos se encontravam em estágio avançado e dependiam apenas do empenho por parte do Governo Federal para se tornarem realidade. Passados quase dois anos, nenhuma dessas UCs foi criada. Entenda-se por empenho não apenas vontade para destravar processos prontos, mas sobretudo força política para enfrentar conflitos em áreas que apresentam com grandes obras de infraestrutura.
Ao governo brasileiro, falta clareza sobre o papel das áreas protegidas. A importância de tais áreas é sem dúvida a recuperação e conservação da biodiversidade marinha, já bastante degradada. Mas vai muito além, pois as áreas marinhas protegidas podem e devem ser transformadas em polos de transformação social.
Somado a isso, é necessário ressaltar que as informações sobre planos e interesses em territórios públicos geralmente não são compartilhadas com a sociedade, o que desencadeia uma frustração coletiva. Esta prática governamental está no cerne das principais tensões sociais e também na dificuldade de entendimento do real papel das áreas protegidas para o país. Isso precisa mudar. E em ano eleitoral quem tem boas propostas será rei ou rainha.
A Fundação SOS Mata Atlântica em sua carta “Desenvolvimento para sempre – Uma agenda para os candidatos nas eleições 2014” traz metas e programas realistas e alinhados com as melhores práticas no mundo todo. Um exemplo: cumprir até 2018 a meta de proteger pelos menos 5% da área marinha sob jurisdição nacional e garantir que 100% das áreas protegidas marinhas tenham planos de manejo aprovados.
É necessário implementar de fato as potencialidades das UCs e dar conhecimento à sociedade sobre seus benefícios. Importante também que se desenvolva uma estratégia mais ampla de conservação e uso racional da biodiversidade para que o nosso mar não seja simplesmente mais uma arena para o equivocado conflito entre meio ambiente e desenvolvimento.
*Marcia Hirota é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica; Leandra Gonçalves é bióloga e consultora da organização.