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Entrevista com Natalie Unterstell

Emergência climática e Brasil: caminhos para descarbonização, justiça climática e políticas públicas

28 de outubro de 2022

Por Mônica Ribeiro

Quando começou a militar e se interessar pela mudança climática, Natalie Unterstell tinha apenas 18 anos. De lá para cá, sua atuação nessa agenda se intensificou cada vez mais.

Atuou em governos federal e estaduais, no apoio à construção de políticas públicas, incluindo o Programa de Adaptação à Mudança do Clima – Brasil 2030, como diretora da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) da Presidência da República. Contribuiu como negociadora do país nos assuntos de mudança do clima na ONU e foi Secretária Adjunta do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC).

É membro do Painel de Acreditação do Green Climate Fund e cofundadora e membro de diversos projetos e organizações, como a Política Por Inteiro. Atualmente, preside o Instituto Talanoa, dedicado às políticas de mudança do clima no Brasil.

É desse lugar que ela fala com a SOS Mata Atlântica, organização da qual é também conselheira, sobre o que esperar do Brasil na COP27 de Mudança do Clima, que acontece de 6 a 18 de novembro, no Egito.

Natalie lamenta que o país venha escondendo informações que permitiriam aos brasileiros e à comunidade internacional entender qual é o nosso compromisso em curto prazo: “Isso é muito ruim, porque gerou um outro problema chamado falta de integridade climática, um princípio das negociações que quer dizer que não basta se colocar uma proposta lá, ela tem que, de fato, ser algo que não vá piorar o sistema, que não vá gerar também outros problemas. E tem uma terceira coisa, que é fundamental, que são os resultados muito ruins de políticas públicas do Brasil nos últimos anos.”

Ela vê com bons olhos a aproximação das agendas de clima e de diversidade biológica que vem acontecendo nos últimos anos, o que pode trazer sinergia de ação, ferramentas e mecanismos de financiamento. E destaca a restauração e a recuperação florestal como uma nova agenda que vem se consolidando, sendo a Mata Atlântica o bioma brasileiro que mais tem esse tipo de experiência em seu território.

“A Mata Atlântica é o espaço em que vive a maioria dos brasileiros. É um bioma que quase desapareceu do ponto de vista natural, e em que a gente teve inovação por razões erradas, para poder garantir a sobrevivência. Tivemos a Lei da Mata Atlântica, experiências com reflorestamento e restauração. Então a Mata Atlântica pode ter realmente um papel fantástico tanto na descarbonização quanto na adaptação do Brasil. E na nossa resiliência.”

Natalie destaca a presença cada vez mais constante do engajamento de crianças na agenda climática. “Elas começaram a questionar por que estudar sem ter garantia de futuro. Se estabeleceu um diálogo intergeracional muito interessante de 2015 para cá, depois do Acordo de Paris. A gente tem que resolver a questão climática na nossa geração. As crianças já vão pegar um mundo muito pior, os dados do IPCC são chocantes. E a responsabilidade é nossa. Temos que resolver agora. Não tem depois.”

 

Como vê a participação do Brasil nessa COP do Clima?

O Brasil de fato perdeu credibilidade, e as razões para isso têm a ver, primeiro, com transparência. No momento em que o país tinha que aumentar a ambição da sua meta, que tinha sido depositada em 2016, a primeira coisa que fez foi esconder todas as informações possíveis que nos permitiriam, como brasileiros, ou para a comunidade internacional, entender qual é o compromisso de curto prazo. E isso é muito ruim, porque gerou um outro problema chamado falta de integridade climática, um princípio das negociações que quer dizer que não basta se colocar uma proposta lá, ela tem que, de fato, ser algo que não vá piorar o sistema, que não vá gerar outros problemas. E tem uma terceira coisa, que é fundamental, que são os resultados muito ruins de políticas públicas no Brasil.

A gente mede o desmatamento na Amazônia desde 1988 – e em outros biomas temos feito isso há bastante tempo também, como na Mata Atlântica, pelo trabalho da Fundação SOS Mata Atlântica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Então sabemos o que está acontecendo. O governo paralisou, para todos os fins e efeitos, as políticas de controle desse desmatamento ou de restauração. Vivemos uma situação ruim em todos os biomas. A gente vai precisar agir, consertar o rumo e mostrar bons resultados. Com isso, quem sabe, conseguiremos recuperar a credibilidade e a confiança, porque o Brasil virou realmente um ator tóxico, de que ninguém quer chegar perto porque tem medo de parecer que está apoiando o país nesses posicionamentos.

Dito isso, quando você pergunta como o Brasil vai chegar nessa COP, temos que lembrar que vai chegar como um país governado por Jair Bolsonaro. Mesmo que haja uma mudança*, nesta COP27 ainda é esse governo que vai às negociações. Então, em termos de cooperação com os outros países e negociação, a gente ainda não vai ter oficialmente uma mudança de sinal. Talvez se tivermos mudado de governo, o governo Lula possa dar esse sinal e nos ajudar. Mas em termos oficiais a gente ainda vai para a COP com esse conjunto de coisas que a gente conhece tão bem.

 *OBS.: Entrevista feita antes do 2º turno das eleições de 2022.

 

Luis Fernando Guedes Pinto, da SOS Mata Atlântica, na última Conferência do Clima em Glasgow.

 

Emergência climática e diversidade biológica – duas agendas que, por muito tempo, foram tratadas de modo separado – se aproximaram bastante nos últimos anos. Essa intersecção pode acelerar os processos para preservação, conservação de florestas, mitigação e mecanismos de financiamento?

É uma excelente pergunta. A Convenção do Clima não foi desenhada para pensar em territórios, ou em ecossistemas, mas sim para pensar em emissões e na capacidade de adaptação. Nos textos de sua criação, a Convenção associa vulnerabilidade de nações a florestas, montanhas, ambientes gelados, enfim, tem essa consideração. Mas a bem da verdade é que, por muito tempo, os próprios países evitaram falar nisso. O Brasil foi um dos países que tentou evitar que se falasse em floresta e desmatamento. Por isso esse diálogo era tão difícil. Assim como o Brasil não queria falar de floresta, havia países que não queriam falar do carvão, por exemplo. Havia esse jogo de esconder sua principal fonte de emissão.

Só que à medida que o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, o IPCC, começou a produzir relatórios especiais de oceanos, florestas e uso da terra, chegando ao marco-meta de 1,5º, ficou patente que a questão climática passa por tudo isso. 

E então esse engate com a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) começa a ficar um pouco mais interessante. Porque até então não havia essa postura de convergência. Mas agora está havendo esse movimento. Temos metas na CDB que clima nunca vai conseguir adotar, então essa convergência é muito boa. As duas estão conseguindo se ajudar com agendas sinérgicas.

Com relação a florestas e ambientes terrestres, é um tanto mais difícil, porque não temos uma convenção de florestas. Mas há financiamento disponível, foram criados fundos climáticos, no próprio Fundo de Adaptação você tem uma valorização das ações que são baseadas em natureza, então há uma agenda sinérgica importante. O que não quer dizer que ela é politicamente bem trabalhada. Acho que falta mais liderança política para essas duas agendas ficarem cada vez mais conectadas e mais fortes.

 

Para frear a emergência climática e a contribuição do Brasil, qual o lugar da restauração e da recuperação florestal e da adaptação nessa conta?

Há algum tempo a questão do reflorestamento tem tido atenção, tendo inclusive entrado em mecanismos de mercado. É uma nova agenda, mais inclusiva e mais biodiversa também. E aqui precisamos destacar dois pontos. Um deles é essa vontade enorme, de muita gente no mundo, de apostar nessa agenda como uma grande solução, enquanto, ao mesmo tempo, temos uma lamentável resistência de países, como o Brasil, que acham que basta isso para que grandes empresas emissoras comprem créditos de restauração florestal e compensem sua culpa. Não é uma agenda pacificada, esse embate está acontecendo.

E o outro ponto, que vejo como muito positivo, é que estamos falando de uma nova agenda, embora ainda não tenhamos encontrado um lugar para ela dentro da Convenção do Clima. De uma agenda em que já tem muita gente do mercado voluntário apostando e países assumindo metas nesse sentido.

Trazendo isso para o Brasil, temos contas que demonstram o quanto isso pode nos ajudar se tivermos uma política de reflorestar ou restaurar novos 4,8 milhões de hectares. Isso pode nos dar créditos inclusive. Mas eu me assusto com a postura de que muita gente acha que o Brasil vai resolver o problema do mundo com restauração florestal. Não é verdade. 

Temos que colocar os números na mesa. Podemos fazer muita coisa, porque temos muita área aberta para recuperar. Mas isso por si só não resolve o problema climático. E essas contas, de bilhões e bilhões, acho que acabam nos atrapalhando. Esses números criam uma falsa expectativa de que vai cair dinheiro do céu, e aí fica muito mais difícil fazer brotar do chão o que a gente precisa que brote.

 

E como entra a Mata Atlântica nesta conta?

Na Mata Atlântica temos vasta experiência nisso. É o espaço em que vive a maioria dos brasileiros. É um bioma que quase desapareceu do ponto de vista natural, e a partir do qual tivemos inovação por razões erradas, para poder garantir a sobrevivência. Tivemos a Lei da Mata Atlântica, experiências com reflorestamento e restauração. A Mata Atlântica pode ter realmente um papel fantástico tanto na descarbonização quanto na adaptação do Brasil. E na nossa resiliência. Mas a gente precisa cuidar muito melhor dela e se preparar para esse futuro em que a natureza nos ajuda a segurar, literalmente, a onda de calor, a onda de frio, enfim.

 

Já sabemos que quem vai ser mais atingido pelos resultados extremos das mudanças climáticas são as pessoas mais pobres e que vivem em situação de vulnerabilidade. Como a justiça climática pode ser claramente central nos planos do país para adaptação e mitigação da emergência climática?

Temos uma nova safra de políticas e de mecanismos que adotam a justiça climática como princípio. Por exemplo, no ano passado, a África do Sul colocou na mesa um pacote que ela chama de Pacote de Transição Energética Justa, em que se calculou quanto custa para as populações que estão tendo que compensar, seja porque estão perdendo emprego no trabalho com carvão, seja porque já são afetadas por desastres associados à mudança do clima. E calculou serem necessários US$ 110 bilhões. Já captaram US$ 12 bilhões, no ano passado lançaram uma NDC configurada assim, foram para a COP e negociaram esse pacote com parceiros.

De lá para cá, o que aconteceu foi que outros países conseguiram fazer coisas similares. A Indonésia, as Filipinas, também criaram esses mecanismos de transição energética justa. E a Nigéria está discutindo isso para o caso do petróleo, que é a sua grande fonte de emissões. São casos muito concretos e reais de países que já estão com essa mentalidade.

A gente ainda não viu pacotes similares para a questão de natureza, e eu queria muito que pudéssemos colocar na mesa isso. Ter um pacote de transição justa com a natureza. Que no Brasil significaria trabalhar para a recuperação do que foi desmatado, sejam APPs, seja reserva florestal, seja nascente, inclusive nas periferias. Conseguir aliar moradia digna com conservação de áreas urbanas. Ações em agendas urbanas, e claro, na agenda amazônica e dos povos indígenas e populações tradicionais.

Nas eleições deste ano, o Instituto Talanoa destacou, para todos os candidatos à presidência, que o Brasil poderia colocar um pacote desses na mesa para 2025. Podemos captar esse recurso e aplicar com as pessoas no centro, de fato. Na política de energia, por exemplo, porque hoje tem gente fazendo comida na vela, com lenha, em cidades, que não tem condição de pagar. Nos diferentes setores podemos usar a lente da justiça climática para pensar soluções. Mas não acho que isso deva ser uma questão de pequenos grupos fazendo algumas coisas, como acontece hoje. O ideal é a gente ter um incentivo de cima para baixo nos ajudando também a construir essa agenda.

 

O quanto a economia de baixo carbono tem potencial para geração de novos modos e postos de trabalho no país?

Acho que temos o que falar sobre o Brasil e sobre o mundo. No caso do Brasil temos, até 2030, uma oportunidade de criar mais de 200 mil novos postos de trabalho, muitos deles com restauração, mas também com a agricultura de baixo carbono e outras áreas. E a gente pode chegar em 2030 com uma redução de 63% a 82% das nossas emissões em relação a 2005. Então, se o mundo tem que reduzir pela metade, a gente tem condições de ir muito além.

Esses são dados gerados pela iniciativa Clima e Desenvolvimento. Foram várias rodadas para chegarmos a esses números e validá-los politicamente. E isso custa pouco. Conseguimos fazer muita coisa, gerar muitos novos empregos a baixo custo. É uma questão de querer fazer. Depende de uma mudança política também.

Mas o que estou vendo, e acho muito importante falar, é que os países que decidiram já o que vão fazer nessa direção podem menos do que a gente, mas estão decididos a fazer. Estamos vendo a história passar na nossa frente, porque a economia do clima está explodindo nesses lugares. Um exemplo é o dos Estados Unidos, eles acabaram de aprovar esse pacote de US$ 369 bilhões, onde há muita coisa voltada à restauração. Ações domésticas, para os fazendeiros e para as pessoas terem recursos para fazer conservação e restauração.

O Credit Suisse fez as contas e viu que, na verdade, vão acabar sendo movimentados outros US$ 800 bilhões a partir desse pacote. Os investidores do setor privado estão muito animados. Então, essa conta chega a US$ 1.7 trilhões até o final dessa década. E aí temos muito emprego. Nesse instante, nos Estados Unidos, não se trata mais de se tentar minimizar os riscos em uma transição, mas sim o contrário. Trata-se de maximizar as chances de usar as oportunidades que estão vindo aí.

É isso que falta aqui no Brasil. Sabendo que podemos fazer, fazermos. 

 

A agenda climática tem mobilizado as juventudes em sua avaliação? Qual a importância desses jovens e de movimentos como #fridaysforfuture?

Eu comecei a trabalhar nessa agenda climática muito nova, tinha 18 anos. Acho que os jovens, e eu vejo agora muitas pessoas jovens, entre 20 e 30 anos, que têm um papel muito legal. Mas o que realmente mudou, mexeu o ponteiro, foi o engajamento das crianças.

A Greta Thunberg era uma criança, tinha 9 ou 10 anos quando eu a conheci. E a voz das crianças veio para o debate de forma muito contundente, falando a todos nós, adultos, aquilo que precisava ser dito. Elas começaram a questionar por que estudar sem ter certeza do futuro. Quer dizer, que coisa mais amarga, que dificuldade é esse planeta que as crianças não conseguem entender.

Essas crianças agora são jovens, e você tem jovens e crianças trabalhando com pessoas mais velhas, em alianças que foram se formando mundo afora. Há um conselho de jovens na ONU, onde temos uma brasileira, a Paloma Costa. Vemos muitas organizações tradicionais se abrindo para ouvir os jovens. Se estabeleceu um diálogo intergeracional muito interessante, muito diferente. Por mais que a gente sempre tenha tido jovens envolvidos, de 2015 para cá, depois do Acordo de Paris feito, as vozes infantis começaram a pedir direitos sobre o seu futuro.

Queria muito reforçar o recado de que a gente precisa resolver a crise climática – crise, uma coisa que tem fim, não uma emergência permanente – na nossa geração. As crianças vão pegar um mundo já muito pior, os dados do IPCC são chocantes. A responsabilidade é nossa. Mesmo. Não tem depois.

 

Em sua avaliação, o quanto a percepção de que crise climática tem a ver com a sobrevivência da humanidade no planeta está clara para as pessoas?

Eu acho que a crise se tornou visível. Porque começamos a ver e a viver coisas muito violentas e frequentes. Vamos pensar na Bahia, quando, no ano passado, vieram 700 milímetros de chuva em poucas horas. É uma coisa brutal, ninguém pode falar que já teve uma chuva dessas. Agora tivemos esse furacão que passou ali pelo Caribe e pela costa americana, que engatou numa onda ali, enfim, pegou um oceano muito quente e foi devastador também. Sempre temos furacão, todo ano, mas a velocidade disso agora é uma coisa inacreditável.

A gente está vendo coisas com as quais nunca tivemos que lidar. O que estamos vivendo, que me assusta e acho que assusta mais as pessoas, é a instabilidade do clima. É não saber mais o que esperar. Os humanos gostam de mudança, o que não gostamos é de perda. Então perder a nossa capacidade de saber se vamos ter verão ou inverno, se vai ter seca, enfim, é um horror.

Acho que hoje em dia as pessoas que querem fingir que o problema não existe estão cada vez com maior dificuldade, porque as coisas estão sendo sentidas. O que eu vejo de dificuldade é saber o que as pessoas podem fazer para agir. Como elas podem transformar o medo, a raiva, a angústia de quem está vendo e vivendo tudo isso em ação. 

A gente participou agora num processo eleitoral em que vimos, dos telejornais aos debates, a questão climática aparecendo. Então também a realpolitik está tendo que se deparar com essa questão, mas isso ainda não está refletido nos votos. A gente ainda não tem uma bancada pelo clima, por exemplo. Como a gente faz com que as pessoas consigam conectar política e clima? 

E a outra coisa que quero destacar é nosso dia a dia, a importância também das decisões individuais. O IPCC pontuou isso no relatório deste ano, pela primeira vez se ousou destacar que as decisões individuais também importam, que a soma dos indivíduos é mais que o todo. Acho que a gente está nesse momento de as pessoas começarem a entender que as suas escolhas individuais, seja de voto, seja de dieta, seja de cuidar do jardim da casa, tudo isso tem impacto positivo ou negativo na nossa transição para uma economia de baixo carbono.

Crédito: Mônica Ribeiro

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