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Homenagem a Paulo Nogueira-Neto, pai do ambientalismo brasileiro

26 de fevereiro de 2019

“Sou razoavelmente otimista em relação ao futuro. Porque muito otimismo é ingenuidade. Quase nada é fácil, a gente tem de lutar muito pelas coisas. Mas sou razoavelmente otimista, porque vejo coisas boas acontecerem.”

 

Muitas boas iniciativas que aconteceram no Brasil em relação ao meio ambiente foram responsabilidade do advogado, professor, cientista, político e pesquisador dedicado às abelhas indígenas na preservação da floresta, Paulo Nogueira-Neto. Em 1953, aos 31 anos, criou a Associação de Defesa da Flora e da Fauna e desde então, não parou mais. Foi ele quem inaugurou o primeiro órgão ambiental federal do país, a Secretaria Especial de Meio Ambiente, que dirigiu de 1974 a 1986. Em sua gestão foram criadas 26 estações ecológicas, reservas biológicas e outras Unidades de Conservação, num total de 3,2 milhões de hectares de áreas protegidas. Também elaborou, articulou e apoiou a criação de diversas leis ambientais.

Dr. Paulo, como era conhecido, foi fundador da SOS Mata Atlântica e integrava o Conselho Administrativo, onde também desempenhou o papel de vice-presidente. Ele morreu nesta segunda (25/02), aos 96 anos.

“Ele é uma grande inspiração para nossa equipe e para todo o movimento ambientalista. Foi um fervoroso defensor da Mata Atlântica e teve uma vida dedicada à proteção da natureza, à ciência e às políticas ambientais e deixa um imenso legado, ensinamentos e importantes Unidades de Conservação no Brasil”, afirma Marcia Hirota, diretora executiva da SOS Mata Atlântica.

Este ambientalista pioneiro registrou suas memórias em diários que foram transformados no livro “Diário de Paulo Nogueira-Neto – Uma trajetória ambientalista”. “Ele foi um incansável em busca do desenvolvimento sustentável e sempre esteve comprometido com a construção de um mundo melhor. Promoveu não só a reflexão e o debate sobre temas até então considerados de pouca relevância pelo grande público, como ainda estimulou, ao lado de seus parceiros e colegas, um novo olhar sobre Meio Ambiente na sociedade brasileira”, diz Pedro Passos, presidente da SOS Mata Atlântica.

Para Roberto Klabin, vice-presidente da SOS Mata Atlântica, Dr. Paulo foi “um grande líder ambientalista que conseguiu deixar um enorme legado de proteção e conservação ambiental para o Brasil. Tive o privilégio de conhecê-lo e por ele tenho um enorme respeito. Seu exemplo de vida e de trabalho deve ser continuado pelas novas gerações de ambientalistas, lutando pela criação de novas áreas protegidas e por mecanismos para sua viablização”, afirma.

Em 2011, Dr. Paulo foi homenageado na Solenidade que abriu o Viva a Mata e comemorou o aniversário de 25 anos da SOS Mata Atlântica.

Preocupação com a Mata Atlântica

“A saúde da minha mãe Regina era frágil. Ela precisou morar longo tempo em Campos do Jordão, devido a um fungo pulmonar, mas felizmente se recuperou desse problema de saúde. Nas férias, convivendo lá com as araucárias, aprendi a admirá-las, o que mais tarde me levou a defendê-las, inclusive como membro de uma Comissão do Ministério do Meio Ambiente que tinha esse objetivo” (livro Uma Trajetória Ambientalista – Diário de Paulo Nogueira-Neto)

“Eu tinha 20 e poucos anos (1945) quando fui visitar meu pai, exilado político na Argentina. Íamos de DC-3, um avião que voava mais ou menos a 3 mil metros de altura. Era um avião relativamente lento. Mas o interessante é que, de Curitiba até Assunção do Paraguai, alguns minutos depois de sair da capital do Paraná, já não se via mais nada em matéria de civilização. Não se via mais uma casa nem estrada, nada. Só floresta. Voávamos bastante até chegar em Foz do Iguaçu, que na época era quase um acampamento militar, um vilarejo. Depois levantávamos de Foz do Iguaçu e até perto de Assunção também não se via nada de cidades – só floresta. Essa era a Mata Atlântica ao sul do Brasil. Imensa Mata Atlântica. E eu aqui estou vivo, e hoje o que sobrou desse ‘mar’ de Mata Atlântica foi somente o Parque Nacional do Iguaçu, isso por ser um Parque Nacional, senão até ele… Eu vi essa Mata Atlântica que parecia inacabável desaparecer no período de uma vida – a minha. E fico pensando angustiado: A Amazônia, como é que estará daqui a 50 anos?” (livro A Mata Atlântica é Aqui. E daí? História e Luta da Fundação SOS Mata Atlântica)

(vídeo-depoimento de Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação, sobre o legado do Dr. Paulo)

O que pensava sobre a ONG que ajudou a fundar

“A SOS Mata Atlântica sempre foi, na Federação Brasileira, uma organização ambientalista sui generis. Enquanto muitos ambientalistas buscavam alianças ou variadas coordenações com os governos, a SOS traça os seus próprios caminhos. Isso pode incluir ou não uma preocupação com este ou aquele rumo ambiental, de apoio ou de crítica, mas sempre feitos de modo independente.

Os seus laços com o mundo empresarial foram muito úteis, pois têm a firmeza de quem conhece o mundo econômico e tem assim o apoio dos que buscam um desenvolvimento sustentável.

Fui um dos fundadores da SOS Mata Atlântica, como cidadão, mas também preocupado pelas ações federais e estaduais ambientalistas, nos cargos que ocupei.

A origem da organização foi em uma época difícil, onde a Jureia estava ameaçada de destruição por um grande projeto de loteamento e não existiam ainda secretarias estaduais de meio ambiente. Era outro mundo. É grande e difícil a missão da SOS Mata Atlântica, mas ela merece apoio e já fez muita coisa boa. Pode ser considerada a maior ONG ambientalista brasileira nativa” (livro 25 anos de Mobilização).

“Eu acho que a SOS precisa ter um contato muito direto com o público. E esse contato direto exige uma capacidade de mobilização das pessoas. Então, nós temos lá entre os nossos companheiros de trabalho, nós temos o Mário Mantovani que, em todas as partes, aqui de São Paulo e de outros estados, ele é capaz de fazer com que as pessoas não somente se reúnam pra tratar de assuntos ambientais, mas que também cheguem a conclusões para apresentar ao poder público (…) Tem uma capacidade de sentir o que as pessoas pensam a respeito dos mais variados assuntos e se dirige a essas pessoas fazendo com que o componente ambiental das preocupações seja ressaltado. Todas as pessoas, quer queiram quer não, têm, no fundo do seu ser, preocupações ambientais. Porque a nossa vida depende do meio ambiente, da qualidade da água, qualidade do ar, da qualidade da natureza. Depende de tudo isso. Então, o Mário sabe despertar nas pessoas esses sentimentos que todos têm de que é preciso fazer mais para proteger o meio ambiente. E também a SOS tem muita gente no seu staff cuja colaboração é importante. Eu quero lembrar aqui, entre outros, os nomes do Plínio, da Márcia Hirota que estão sempre em contato com os sócios da SOS na medida do possível, e fazendo questão de levar também à diretoria suas preocupações” (entrevista ao Museu da Pessoa, em 2005)

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(foto à esquerda: Museu da Pessoa; foto à direita: arquivo pessoal)

Da Kombi para um trem quilométrico

No primeiro capítulo do livro “A Mata Atlântica é Aqui. E daí?”, Dr. Paulo contava que, “nos anos 60 e 70, todas as pessoas que lutavam pelo meio ambiente em São Paulo cabiam em uma Kombi. Eram umas 12 pessoas, no máximo”.

Anos depois, estava mais otimista. “[Os ambientalistas] cabiam na verdade em diversas Kombis, uma em São Paulo, outra no Rio, em Belo Horizonte, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco. Hoje não é mais uma Kombi, em cada um desses lugares há um trem quilométrico”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo, em 2006.

Na época, ele comentou o fato de muitos ambientalistas continuarem sendo taxados de “ecochatos”. “’Ecochato’ é uma palavra que assumimos com muita satisfação, porque é uma das poucas armas que temos em nosso favor. Significa aquele sujeito que é insistente, volta e insiste de novo. Não desanima. Essa impressão ficou e vai existir para sempre”, disse ele. E ressaltou: “Digo sempre brincando, mas é verdade, que quem lida com meio ambiente não sofre de monotonia. Sempre tem algum problema acontecendo. Mas eles têm solução”.

Obrigada, Dr, Paulo, pela vida dedicada à causa ambiental, por não desistir e sempre insistir em mudar nossa realidade para melhor. O trem dos que defendem a natureza fica agora com um grande vazio, mas sua influência e inspiração continuarão a nos acompanhar.

 

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