Preocupa a falta de progresso na ambição para reduzir as emissões de gases-estufa
20 de novembro de 2022Por Afra Balazina*
A COP27, Conferência do Clima da ONU realizada em Sharm El Sheikh, no Egito, terminou no domingo com o avanço da criação de um Fundo de Perdas e Danos para reparar prejuízos climáticos, a despeito das tentativas de bloqueio dos EUA e alguns países europeus. Porém, ambientalistas ressaltam que a conferência falhou ao não ampliar a ambição para reduzir as emissões de gases-estufa e manter o aumento da temperatura limitado a 1,5ºC.
O próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou essa percepção: “Precisamos reduzir drasticamente as emissões agora – e esta é uma questão que esta COP não abordou. Um fundo para perdas e danos é essencial, mas não é uma resposta se a crise climática lavar um pequeno estado insular do mapa ou transformar um país africano inteiro em deserto. O mundo ainda precisa de um salto gigante na ambição climática”, disse ele ao final da COP27. Se a temperatura aumentar mais que 1,5ºC, cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam que o perigo será enorme, tanto para as pessoas quanto para outras espécies, com eventos extremos mais fortes e frequentes.
Na visão de Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa e conselheira da SOS Mata Atlântica, “é histórica a decisão de se estabelecer um fundo de perdas e danos e operacionalizá-lo nos próximos 2 anos”. “Claramente, isso não será suficiente, mas é um sinal político muito necessário para reconstruir a confiança e avançar com verdadeira ambição para atacar as causas do problema global da emergência climática”, reforçou.
>> Leia a entrevista de Natalie Unterstell para a SOS Mata Atlântica.
Para a Climate Action Network (CAN), rede que reúne 1.500 organizações de 130 países, a criação do fundo de Perdas e Danos é um primeiro passo no processo de corrigir a injustiça sistêmica a bilhões de pessoas, particularmente no Sul Global, que são as menos responsáveis, mas estão na linha de frente da crise climática.
“Aqueles que estão sofrendo impactos climáticos devastadores – enchentes, secas, furacões e aumento do nível do mar – terão alguma esperança”, afirma a rede. Porém, a CAN ressalta que, embora a COP27 tenha resolvido em parte as consequências da crise climática, fracassou em abordar a raiz da crise – os combustíveis fósseis, já que não houve acordo para eliminar progressivamente o uso de carvão, petróleo e gás. “O consenso para aumentar o investimento em energia renovável pela primeira vez neste processo é bem-vindo, mas sem um resultado forte na eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis os governos correm o risco de ultrapassar 1,5°C.”
“Temos agora apenas sete anos para cortar as emissões de gases de efeito estufa pela metade para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC. O programa de trabalho em ambição climática aprovado não garante que as reduções vão acontecer na velocidade que precisamos”, avalia Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima, rede da sociedade civil brasileira da qual a SOS Mata Atlântica faz parte.
“Melhoramos a distribuição do remédio, mas não avançamos no tratamento da doença”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Sem um aumento significativo na ambição das metas nacionais e sem atingir o nível de financiamento adequado para adaptação e mitigação, o fundo de perdas e danos será um eterno trabalho de Sísifo, vencido constantemente por uma realidade climática cada vez mais violenta. Não vai haver recurso de perdas e danos que baste.”
Na opinião de Manuel Pulgar-Vidal, que presidiu a COP20 e hoje integra o WWF, é inaceitável que os negociadores não tenham conseguido chegar a um acordo mais ambicioso do que o ocorrido em Glasgow no ano passado. “As futuras presidências da COP não podem desperdiçar a oportunidade. Apesar desse resultado, os governos devem redobrar seus esforços para reduzir as emissões e tomar as medidas transformadoras necessárias para manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC. A COP28 no próximo ano deve ser a COP da credibilidade climática. E os países devem entregar”, afirmou.
Lobby dos fósseis
Laurence Tubiana, que dirige a Fundação Europeia do Clima, disse que a conferência causou profundas frustrações, mas não foi em vão, graças à criação do Fundo de Perdas e Danos. “Há muita coisa para detalhar, mas os princípios foram colocados e isso é uma mudança significativa de mentalidade à medida que os impactos climáticos começam a aparecer”, afirmou. Para ela, está claro o desafio da COP28, nos Emirados Árabes. “As impressões digitais do lobby da energia fóssil estão por toda parte no acordo, enquanto eles lutam contra a inescapável eliminação de seus bilhões de dólares em subsídios. O termo ‘phase out’ [ou algo como eliminação gradual] dos fósseis não entrou no texto final. A Presidência egípcia produziu um texto que protege claramente os petro-estados e as indústrias de combustíveis fósseis. A escassa referência à ciência e ao limite de 1,5º também mostram isso. Essa tendência não pode continuar na próxima COP”, disse.
Tubiana acredita que é preciso abrir o processo da Convenção do Clima da ONU para governos subnacionais, cidades e parlamentares. “Enfrentamos um grande adversário, mas temos um impulso. A COP27 mostrou que o multilateralismo funciona, mas precisa de pressão nacional em todos os lugares. Somos todos ativistas hoje.”
Cobrança aos países ricos
Em sua passagem pela COP27, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso em que se comprometeu com metas ambiciosas e aproveitou para cobrar os países ricos.
“Em 2009, os países presentes à COP 15 em Copenhague comprometeram-se em mobilizar 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem a mudança climática. Este compromisso não foi e não está sendo cumprido. Isso nos leva a reforçar, ainda mais, a necessidade de avançarmos em outro tema desta COP 27: precisamos com urgência de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados em função da mudança do clima”, destacou. “Não podemos mais adiar esse debate. Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade física de seus territórios ameaçada, e as condições de sobrevivência de seus habitantes seriamente comprometidas. É tempo de agir. Não temos tempo a perder. Não podemos mais conviver com essa corrida rumo ao abismo.”
Em relação a como o Brasil vai contribuir com a agenda climática, Lula disse que seu governo não medirá esforços para “zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030”. “Vamos priorizar a luta contra o desmatamento em todos os nossos biomas. (…) Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim, serão agora combatidos sem trégua. Vamos fortalecer os órgãos de fiscalização e os sistemas de monitoramento, que foram desmantelados nos últimos quatro anos. Vamos punir com todo o rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida. Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem provocar mais mudança climática”, afirmou.