Artigo de Mario Mantovani*, originalmente publicado no caderno especial “Pensar & Agir”, dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas – Nos últimos anos, temos vivenciado um grande retrocesso na política socioambiental brasileira, que impacta negativamente a Mata Atlântica e os demais biomas. O enfraquecimento da agenda ambiental no país fica visível principalmente pela falta de incentivo dos governos para efetivar o desenvolvimento sustentável, seja em investimentos em conservação, fiscalização ou aplicação de políticas públicas já definidas. Esse é o caso da elaboração dos Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, previstos na Lei da Mata Atlântica, sancionada pelo governo federal em 2006, mas ainda longe de saírem do papel.
Outro sintoma é a desaceleração nos processos de criação de Unidades de Conservação (UCs) – como parques e reservas – instrumentos mundialmente reconhecidos para a conservação e uso sustentável de recursos naturais. Nas regiões de Mata Atlântica, a floresta mais ameaçada do país, essas unidades são essenciais para proteger o bioma e estancar o desmatamento que voltou a avançar nos últimos dois anos, como aponta o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que há 28 anos monitora os 17 Estados brasileiros com ocorrência do bioma.
Muitos dos que amparam os atuais retrocessos e os entraves aos investimentos em conservação argumentam que o movimento ambientalista defende, e explora, um debate ideológico dessas questões. No entanto, o que sempre assistimos são decisões políticas sobressaindo-se a pareceres técnicos, já que a ciência há muito provou a importância da conservação de áreas de vegetação nativa para a proteção da biodiversidade e para a disponibilidade de serviços ambientais essenciais, como a regulação do clima e a produção e o abastecimento de água.
Basta observar a crise hídrica que assola a região Sudeste do país e que tem relação direta com o desmatamento da Mata Atlântica. Dados do Atlas mostram que restam apenas 21,5% de vegetação nativa na bacia hidrográfica e nos 2.270 km2 do conjunto de seis represas que formam o Sistema Cantareira. Desmatamento esse que secou nascentes, assoreou leitos de rios, reduziu a umidade do ar e deixou os solos mais secos, atrapalhando a recuperação das represas.
A desconexão dos nossos políticos com essa realidade é tamanha que, nas eleições de 2014, quando fomos às urnas para escolher presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais, os temas ambientais foram simplesmente deixados de lado pelos principais candidatos. Não por falta de esforço do movimento ambientalista e da sociedade, que se empenharam para estimular esse debate.
Com o intuito de reverter esse quadro, a Fundação SOS Mata Atlântica elaborou o documento “Desenvolvimento para Sempre”, com 14 metas a serem executadas durante os próximos quatro anos. As medidas estão estruturadas em três eixos: Florestas, Mar e Cidades – todos ligados entre si e diretamente relacionados à qualidade de vida das pessoas.
No primeiro ponto do eixo Florestas, pedimos o comprometimento com o rito constitucional de criação de áreas protegidas no país, evitando assim alterações na legislação e a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere ao Congresso a responsabilidade pela criação de novas UCs e terras indígenas. Ou seja, áreas protegidas passariam a ser avaliadas meramente por critérios políticos. Nesse mesmo eixo, solicitamos ainda que o governo conclua o processo de regularização fundiária das UCs federais e que quintuplique o orçamento das áreas protegidas.
Na área do Mar – uma agenda nova no Brasil embora o país tenha mais de 8.000 km de costa e um quarto da população vivendo no litoral – pleiteamos a aprovação, já em 2015, da Lei da Política Nacional para Conservação e Uso Sustentável do Bioma Marinho (PNCMar), o que temos chamado de “Lei do Mar”, o primeiro marco legal para a proteção de nossa costa.
Na frente de Cidades, propusemos a inclusão da sociedade nos comitês de bacias hidrográficas e a cobrança pelo uso de água a todos os usuários, especialmente agricultores. Hoje isento de custos, esse setor é responsável por cerca de 80% do consumo de água no país. Outras demandas são a universalização do saneamento básico, a redução do desperdício na rede pública de águas dos atuais 40% para 20%, até 2018, e o fim de rios de classe 4 na legislação brasileira. Essa classe permite a existência de “rios mortos” e a sua extinção faria com que alguns rios importantes, como o Tietê e o Pinheiros, em São Paulo, pudessem voltar a ser usados para outros fins que não apenas a diluição de poluentes para além da sua capacidade.
Nos próximos quatro anos, monitoraremos de perto o cumprimento das metas propostas e continuaremos na busca por uma agenda política que valorize a floresta e os recursos naturais, tratando-os como suporte para um desenvolvimento que seja perene e compartilhado por todos os brasileiros.
*Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.