Por Malu Ribeiro*
Publicado originalmente em 22 de março, na Folha de S. Paulo.
O acesso à Água Limpa é um direito humano que depende de boa governança, da regulação, do cuidado e da mobilização da sociedade. Para garantir esse direito – e evitar a escassez – é preciso cuidar de fato dos rios e dos mananciais e, principalmente, tratar a gestão da água como uma questão estratégica. Neste 22 de março, Dia Mundial da Água, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) para mobilizar governos e a sociedade para o tema, os dados da Fundação SOS Mata Atlântica chamam a atenção para a degradação de alguns dos principais rios brasileiros.
Os rios Iguaçu, Tietê, Paraopeba, São Francisco, Doce, Parnaíba, Paraíba do Sul, Jaguaribe, Sinos, Carioca e Mamanguape, entre outros, enfrentam o descaso e diversas agressões diárias ao atravessar regiões metropolitanas, áreas urbanas e agrícolas. Esses rios estão, portanto, por um triz. Esse alerta é feito com base nas análises da qualidade da água realizadas no período de março de 2018 a fevereiro de 2019, em 278 pontos de coleta, distribuídos em 220 rios, de 17 estados brasileiros abrangidos pelo bioma Mata Atlântica.
Os dados indicam que 74,5% dos pontos monitorados estão com qualidade precária, com índice regular, que é o limite mínimo permitido na legislação e nos padrões internacionais de qualidade da água para usos múltiplos, ou seja, para abastecimento humano, irrigação, pesca e lazer. E, pior: 19% dos pontos analisados estão em rios poluídos, com qualidade ruim e péssima, o que significa que a água está imprópria para o uso. Apenas 6,5% dos pontos analisados têm qualidade boa. Essa condição agrava os riscos de escassez, potencializa conflitos por uso e gera insegurança hídrica.
Esses nossos importantes rios vêm sendo degradados continuadamente e poluídos por falta de saneamento ambiental, de tratamento de esgotos, por mau uso do solo nas áreas urbanas e rurais, por uso indiscriminado de defensivos e fertilizantes químicos, por desmatamento que leva à erosão e ao agravamento dos impactos do clima. Os resultados desse retrato, que pode ser visto por qualquer um de nós ao olhar para os rios de nossas cidades, afetam a saúde, o abastecimento público, os ecossistemas, a economia e o desenvolvimento do país.
Há um ano, o Brasil sediou o 8º Fórum Mundial da Água, evento que reuniu as principais autoridades, especialistas, empresas e a sociedade de mais de 100 países. Em contraponto, na mesma época organizações sociais se uniram no Fórum Mundial Alternativo (FAMA). Ambos ocorreram em Brasília (DF) com o objetivo de mobilizar instituições, governos e pessoas para ações efetivas em defesa do acesso à água de boa qualidade. Compromissos importantes, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e outras ações estratégicas, foram apontadas nesses encontros para minimizar os impactos das mudanças climáticas e para combater o desperdício e a poluição, bem como as “soluções baseadas na natureza” para garantir segurança hídrica às populações.
Neste ano, os novos governantes brasileiros promoveram mudanças administrativas nos Estados e na União, assim como na agenda política do país. Muitas delas trazem ainda mais incertezas para as políticas públicas de recursos hídricos e meio ambiente. Ao fragmentar a gestão da água entre ministérios, afastando saneamento e recursos hídricos do meio ambiente, retrocedemos nos ideais defendidos nos Fóruns da Água e nos afastamos da gestão integrada, princípio fundamental da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Os graves danos ambientais decorrentes do rompimento das barragens de rejeito de minério da Samarco que comprometem até hoje, passados três anos, a qualidade da água do Rio Doce e os ecossistemas marinhos, com impactos que foram de Minas Gerais ao Espírito Santo e à Bahia, se somam a mais nova tragédia da Vale sobre o rio Paraopeba e o Alto São Francisco. A morte desses rios, de pessoas e ecossistemas exige mudanças efetivas de atitude em relação à água e à vida.
Por todos esses rios e suas comunidades, Água Limpa é a causa que a Fundação SOS Mata Atlântica e os mais de 3,5 mil voluntários do projeto Observando os Rios querem ver incluída na agenda estratégica do Brasil, de forma participativa, transparente e integrada.
*Malu Ribeiro é assessora da Fundação SOS Mata Atlântica e especialista em água.