Por Raimundo Deusdará Filho e Mario Mantovani*
O Cadastro Ambiental Rural (CAR), instituído pelo Código Florestal, está em vigor há quase quatro anos e as primeiras análises das propriedades localizadas em estados da Mata Atlântica têm gerado informações com grande potencial para qualificar o estado das florestas e demais formas de vegetação deste bioma.
Um dos frutos da inédita parceria entre Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e Fundação SOS Mata Atlântica, o cruzamento de dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) com particularidades da Mata Atlântica, tem revelado um leque de novos desafios e de potencialidades para a aplicação da lei florestal.
O tema ganha peso em regiões com malha fundiária extremamente fragmentada pelo grau de ocupação humana, justamente a realidade dos 17 estados brasileiros com Mata Atlântica. Análises mostram que mais de 90% dos imóveis cadastrados na região têm até 4 Módulos Fiscais. É o domínio das pequenas propriedades.
A partir de estudos conduzidos em municípios fluminenses como Nova Friburgo, Cachoeiras de Macacu, Petrópolis e Rio de Janeiro e, depois, ampliados para todo o estado do Rio de Janeiro, se verificou um satisfatório nível de conservação de Reservas Legais e de Áreas de Preservação Permanente em imóveis com CAR.
Ainda mais importante, foi estimado que a recomposição de áreas protegidas e daquelas aptas à produção florestal sustentável na Mata Atlântica contribuirá com ao menos 25% das metas brasileiras para a recomposição da vegetação nativa definidas junto ao Acordo Climático de Paris, ou 3 milhões de hectares de florestas.
Também foi verificado uma razoável sobreposição entre Unidades de Conservação (UCs), Terras indígenas e imóveis rurais em determinados estados do bioma. A resolução desses impasses passa pela comprovação da titularidade dos imóveis e pela regularização fundiária das áreas protegidas. Todas medidas fundamentais para a conservação da biodiversidade, de fontes de água e de outros serviços ecossistêmicos úteis a toda população.
Realidades como essas também revelam que avaliar informações do Cadastro Ambiental Rural olhando apenas para a quantidade de vegetação nativa nos imóveis rurais não é das rotas mais consistentes. Afinal, inúmeras regiões ainda seguem desprovidas do verde das matas e florestas e dos benefícios que elas geram para toda a sociedade.
Além disso, manter biodiversidade, investir em florestas produtivas e no manejo florestal e enfrentar a crise climática serão fortalecidos com uma recomposição florestal que conecte áreas protegidas, em escala nacional.
Do Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação da Universidade de São Paulo, outro parceiro da empreitada, veio a boa notícia de que aplicar a legislação florestal e recompor a vegetação nativa em larga escala tem potencial para reduzir fortemente as populações de ratos silvestres que transmitem o hantavírus.
Afinal, esses animais preferem ambientes abertos ou com poucas árvores. A doença não tem vacina e mata mais de quatro em cada dez brasileiros que são infectados.
O trabalho avança aprofundando análises para todo o bioma, sempre buscando contribuir para a resolução de conflitos fundiários, para fomentar a recomposição da vegetação nativa em áreas prioritárias e com conectividade.
As metas também incluem jogar luz sobre os diferentes tipos de vegetação remanescente, avaliar a aplicação da Lei da Mata Atlântica e estimular novos e qualificados Cadastros Ambientais Rurais.
Sem dúvida, esse conjunto de ações ajudará o Brasil no correto atendimento de compromissos internos e internacionais, como as convenções do Clima e da Biodiversidade, o Desafio de Bonn e a Iniciativa 20×20, esses últimos mais focados em recomposição da vegetação nativa em áreas desmatadas ou degradadas.
*Raimundo Deusdará Filho é Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro, do Ministério do Meio Ambiente; Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.