No último sábado, durante um encontro remoto, eu vi uma figura-fundo da Bela Vista. Para quem não conhece, é o bairro onde está localizada parte da avenida Paulista, inclusive o Conjunto Nacional, sede da Fundação SOS Mata Atlântica.
A avenida Paulista é um topo de morro que já foi coberto por uma vegetação densa e frondosa, com muitas árvores e plantas nativas da Mata Atlântica e rica presença de fauna. No passado, esse local já foi chamado pelos índios de morro do Caaguaçu, que significa Mata Grande. Do alto da Mata Grande à verticalização, a floresta foi reduzida a uma quadra, o Parque Tenente Siqueira Campos, mais conhecido como Parque Trianon.
Parque Trianon
Fonte: SOS Mata Atlântica/INPE – Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica, 2020.
Esse parque foi projetado em 1892 por um paisagista francês, Paul Villon, e criado pouco depois da abertura da avenida Paulista, cujo terreno de quase 5 hectares foi comprado depois pela prefeitura, com apoio da Câmara Municipal de São Paulo. O Trianon, parque urbano localizado no coração da avenida Paulista, é considerado um ícone da cidade e, segundo levantamento, abriga espécies nativas da Mata Atlântica, algumas ameaçadas de extinção, como o palmito-jussara, cedro, guapeva, sapopemba e o pau-brasil. Nesta área, foram introduzidas algumas espécies exóticas, uma delas é invasora e extremamente agressiva, a palmeira-seafórtia, cuja retirada vem sendo feita pela prefeitura municipal para resgate da Mata Atlântica original e a conservação da biodiversidade local.
Pelo grau de magnitude e valor histórico, cultural, ambiental, espaço verde, de bem-estar e lazer dos paulistanos, turistas e visitantes, este Parque foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, o Condephaat, em 1982, e pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, o Conpresp, em 1991.
Para nós, que somos vizinhos, é o pedacinho de Mata Atlântica que ajudamos a proteger. Antes da pandemia, é para onde íamos caminhar, respirar ar fresco, ouvir o canto dos pássaros, ler um livro, encontrar amigos, exercitar, brincar ou descansar o corpo e a alma. Um banho de floresta ao alcance de milhares de pessoas. Apesar desses atributos e tendo o verde como destaque no cinza da cidade, obviamente esse Parque apareceu invisível na figura-fundo. Na verdade, muitas florestas nativas nas cidades ainda são pouco visíveis para as autoridades e para muita gente.
Esse registro da morfologia urbana daqui me fez associar à Floresta do Camboatá no Rio de Janeiro. Bem visível nas fotos, imagens de satélite e mapas – inclusive do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, desenvolvido pela SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais –, no Plano Diretor e no Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica do Rio de Janeiro, é uma área de 120 hectares de floresta ombrófila de terras baixas, um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da zona oeste da cidade.
Floresta do Camboatá.
Fonte: SOS Mata Atlântica/INPE – Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica, 2020.
Esta floresta – que já é pública – de grande importância biológica e ambiental, rica em espécies da flora nativa da Mata Atlântica e dezenas de espécies de animais que utilizam a área como abrigo ou pouso, está ameaçada para construção de um novo autódromo no Rio de Janeiro.
Há anos a sociedade civil organizada, moradores do entorno, lideranças comunitárias e profissionais de meio ambiente e urbanismo, reunidos no Movimento SOS Floresta do Camboatá, pedem providências às autoridades no sentido de impedir a construção do autódromo sobre essa importante área de Mata Atlântica no município. A Fundação SOS Mata Atlântica e o WWF-Brasil lançaram um manifesto em defesa dessa área, localizada numa região bem árida de desprovida de cobertura vegetal, com enorme potencial e clara vocação de conservação para as comunidades locais, que necessitam de opções de lazer capazes de proporcionar benefícios à saúde e ao bem-estar e mais qualidade de vida, especialmente para os moradores dos bairros de Deodoro, Guadalupe e Ricardo de Albuquerque.
Ao manifestar contrários ao projeto do autódromo, que tem alternativa locacional em uma área próxima e sem mata nativa, as duas organizações pedem que a Floresta do Camboatá seja transformada em uma Unidade de Conservação (UC), de forma a proteger essa ilha de Mata Atlântica na zona oeste da cidade e, ao mesmo tempo, garantir os serviços ambientais essenciais à saúde humana. Com um bom planejamento, infraestrutura e gestão do uso público, essa UC poderia ser indutora de desenvolvimento regional, promovendo a geração de trabalho e renda contando com o envolvimento dos empreendedores e a comunidade do entorno.
“A Floresta do Camboatá não é lugar de autódromo!” Essa área de Mata Atlântica presente no Rio de Janeiro precisa estar “visível” para os governantes. Ela merece o empenho das autoridades para ser transformada em uma Unidade de Conservação e garantir benefícios para as atuais e futuras gerações.