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Biodiversidade para o futuro

Mata Atlântica em Debate especial discutiu as conexões entre a conservação e a sociedade

4 de junho de 2021

Há uma relação direta entre áreas de conservação ambiental e o bem-estar das diversas populações que compõem nossa sociedade. A partir dessa premissa é que todas as conexões sociais, políticas, culturais e ambientais vão se desenrolar. Sem essa consciência, conforme debatido durante o evento Mata Atlântica em Debate Especial, que marcou o início do Viva Mata 2021, o futuro da humanidade corre riscos.

Participaram do encontro Aliny Pires, professora da UERJ e coordenadora da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos; Melina Sakiyama, mestra em Gestão Ambiental pela Universidade de Kyoto e cofundadora da Rede Global da Juventude pela Biodiversidade (GYBN) e Hugo Fernandes, PhD em Zoologia, professor da UECE, coordenador da lista vermelha de fauna ameaçada do Ceará e divulgador científico, que fez a moderação do encontro. Morena Mills, pesquisadora do Centro de Política Ambiental da Faculdade de Ciências Naturais do Imperial College London, também estava escalada para participar, mas teve dificuldades de conexão na hora do evento. 

“O tema do Viva a Mata deste ano é ‘Nosso Tempo Mais Verde’. Temos que ter um olhar, principalmente, para o futuro do bioma e os caminhos para sua conservação”, afirma Marcia Hirota, diretora executiva da SOS Mata Atlântica. Segundo ela, o momento exige muito debate e atenção por causa das “tantas ameaças a nossas florestas e de ataques às instituições e à ciência”. A diretora da SOS Mata Atlântica lembrou que a instituição, que fará 35 anos em setembro, apoiou com parceiros mais de 500 Unidades de Conservação na Mata Atlântica, incluindo as públicas, privadas e marinhas.

“Investimos mais de R$ 15 milhões e contamos com a colaboração de muita gente, da nossa equipe, parceiros, financiadores, governos, gestores, cientistas e especialistas. Uma verdadeira rede para a conservação e proteção ambiental”.

Na visão da bióloga e doutora em ecologia Aliny Pires, que também é professora da UERJ e coordenadora da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), essas áreas protegidas são fundamentais para, além de garantirem o habitat de espécies únicas da Mata Atlântica, manterem o fluxo de serviços ecossistêmicos e benefícios para a sociedade.

Segundo a pesquisadora, essa relação é mais delicada na Mata Atlântica, uma vez que ela abriga a maior parte da população brasileira, já foi severamente desmatada e uma proporção muito pequena de seus remanescentes encontra-se formalmente protegida em Unidades de Conservação. Ainda assim, a Dra. Aliny enfatiza que, “apesar das áreas protegidas na Mata Atlântica terem uma cobertura pequena em relação ao território, a gente tem uma concentração de benefícios justamente nessas áreas”.

Esses benefícios são a provisão de alimento, água, polinização, regulação climática e diversas contribuições culturais, valores estéticos e psicológicos. Todos esses aspectos certamente afetam a economia e o desenvolvimento do país, que poderia ser fortalecido caso mais áreas protegidas fossem consideradas junto das nossas outras potencialidades.

“O Brasil é uma potência agrícola e quando olhamos, por exemplo, para a produção de café, é sabido pela ciência que ela é muito mais eficiente quando existem florestas protegidas no entorno das plantações. Entretanto, cerca de 61% dos municípios que têm o café como cultura relevante não possuem nenhuma área protegida nos seus territórios”, diz Aliny.

Uma vantagem para a Mata Atlântica é que grandes centros de pesquisa estão localizados nessa região, portanto, já existe um importante volume de conhecimento acumulado sobre a biodiversidade do bioma. O que a síntese do BPBES aponta é que é essencial integrar esse conhecimento científico aos instrumentos políticos disponíveis, fortalecer instrumentos econômicos e valorizar o conhecimento tradicional e a participação de diferentes atores sociais. “A gente tem todas as ferramentas para construir esse futuro e promover ainda mais a aproximação entre a natureza e as pessoas. A Mata Atlântica tem um potencial enorme de ser um ótimo modelo para o Brasil e para o mundo”, afirma.

Conectar a discussão sobre pessoas e natureza com o atual contexto sociopolítico, tanto nacional quanto internacional, passa a ser absolutamente decisivo para o futuro, segundo a bióloga Melina Sakiyama, mestra em Gestão Ambiental pela Universidade de Kyoto e cofundadora da Rede Global da Juventude pela Biodiversidade (GYBN), que inclusive está recrutando interessados no Brasil. 

O GYBN trabalha para que a voz da juventude possa ser ouvida e, segundo Melina, a visão da juventude entende que ambiente, sociedade e política estão intimamente conectados, bem como várias outras interseccionalidades e demandas sociais, como a questão de gênero e a discriminação racial, que estão completamente ligadas às demandas ambientais. 

“Quanto maior a perda de biodiversidade, maior será a desigualdade para o país. Além disso, as áreas prioritárias para a conservação muitas vezes são aquelas onde estão as comunidades tradicionais”, afirma Melina. Por isso, segundo ela, não se pode ignorar essas várias conexões socioambientais, principalmente em um momento tão delicado.

“Todos os países estão se reunindo para discutir seus planos para a conservação da biodiversidade para os próximos dez anos. A posição do Brasil é chave por ser um país megabiodiverso, mas encontra-se isolado por uma série de mudanças na sua condução política, enquanto ainda se presenciam ataques aos povos originários e o avanço da degradação ambiental”, diz. Nesse contexto, essa rede da juventude lança uma campanha pelo fim da mesmice, a fim de enfatizar a necessidade de uma mudança de mentalidade e de condução principalmente em um período de negociações que definirão os rumos globais para toda a década.

Todo o debate foi moderado por Hugo Fernandes, zoólogo professor da Universidade Estadual do Ceará e divulgador científico. Além de moderar, Hugo também enfatizou que mesmo as áreas fragmentadas e impactadas da Mata Atlântica garantem serviços ecossistêmicos de ampla grandeza, ainda que essas contribuições da biodiversidade sejam muitas vezes desconsideradas. “Nosso PIB seria muito maior do que é divulgado, porque esses serviços ecossistêmicos são muito valorosos”, ressalta. Nessa perspectiva, é impossível dissociar a sociedade das questões de conservação da natureza, uma vez que “conservação é lidar com pessoas”, como diz o pesquisador.

Mobilizar a sociedade para que ela se engaje na defesa e conservação da biodiversidade e reconhecer as interseccionalidades que existem nessa pauta é fundamental para o nosso futuro. Precisamos tomar posse do nosso direito ao meio ambiente e as nossas responsabilidades, especialmente no atual momento que combina a fragilidade institucional no país com as convenções da biodiversidade, do clima e a década para a restauração de ecossistemas.

Segundo as participantes do debate, a biodiversidade brasileira e nossas áreas protegidas fazem parte da nossa identidade e deveriam ser motivo de orgulho. A valorização dos parques, reservas e da biodiversidade da Mata Atlântica é uma das principais causas defendida pela Fundação SOS Mata Atlântica, que traz no tema do Viva a Mata 2021 e no seu manifesto o convite para o engajamento da sociedade a fim de colaborarmos para a recuperação do bioma, para a resistência aos retrocessos e para a reconstrução da governança ambiental.

Enquanto o debate acontecia, o Coletivo Entrelinhas fez a facilitação gráfica, e o material produzido pode ser conferido abaixo:

 

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