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Desmatamento ainda é uma ameaça à Mata Atlântica

Nova edição do Atlas da Mata Atlântica aponta a derrubada de mais de 20 mil hectares de floresta em um ano

24 de maio de 2023

Considerada patrimônio nacional pela Constituição e protegida por uma lei especial, a Mata Atlântica segue ameaçada pelo desmatamento. Entre os meses de outubro de 2021 e de 2022, a Fundação SOS Mata Atlântica e o INPE observaram o desflorestamento de 20.075 hectares (ha) do bioma, o correspondente a mais de 20 mil campos de futebol de futebol em um ano ou um Parque Ibirapuera (SP) desmatados a cada três dias. Como resultado, foram lançados 9,6 milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera.

Embora esse número represente uma redução de 7% em relação ao detectado em 2020-2021 (21.642 hectares), a área desmatada é a segunda maior dos últimos 6 anos e está 76% acima do valor mais baixo já registrado na série histórica – de 11.399 hectares, entre 2017 e 2018. 

As informações são do Atlas da Mata Atlântica, estudo realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e apoio técnico da Arcplan, cuja nova edição, lançada na semana do Dia Nacional da Mata Atlântica, 27 de maio, conta com patrocínio do Bradesco e da Fundação Hempel.

Temos um quadro de desmatamento estável, porém inaceitável para um bioma fortemente ameaçado e fundamental para garantir serviços ecossistêmicos, entre eles a conservação da água, e evitar grandes tragédias, como a que tivemos recentemente no litoral norte de São Paulo”, aponta Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica e coordenador do Atlas. O bioma é lar de quase 70% da população e responde por cerca de 80% da economia do Brasil, além de produzir 50% dos alimentos consumidos no país. “Se por um momento pareceu que havíamos virado o jogo, agora o desmatamento está novamente vencendo. E o mundo inteiro sai perdendo”, completa. 

A situação vai na contramão de estudos internacionais que, tendo em vista sua contribuição para a conservação da biodiversidade e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, apontam a Mata Atlântica como um dos biomas mais importantes para o futuro do planeta. “A esta altura o desmatamento já precisava ter sido abolido e as ações de reflorestamento deveriam ser uma prioridade em todos os estados da Mata Atlântica. A realidade, infelizmente, é muito diferente”, lamenta o diretor.

Os dados de desmatamento inventariados e publicados no Atlas da Mata Atlântica são essenciais para que os municípios, inseridos nos limites da Lei da Mata Atlântica, possam organizar estratégias para conscientizar a população e políticas para o monitoramento da vegetação natural. “Ainda que menos intenso que no período anterior, o desmatamento persiste na Mata Atlântica. Esperamos que a sociedade utilize as informações apresentadas no mapeamento para valorizar as áreas de vegetação natural de seus municípios, e ao mesmo tempo, solicitar medidas para eliminar o desmatamento”, enfatiza Silvana Amaral, pesquisadora e coordenadora técnica pelo INPE. 

Imagens de sobrevoo no Paraná capturam desmatamentos “escondidos” no meio da mata. Foto: Zigh Koch.

Desmatamento nos estados e municípios

Cinco estados acumulam 91% do desflorestamento: Minas Gerais (7.456 ha), Bahia (5.719 ha), Paraná (2.883 ha), Mato Grosso do Sul (1.115 ha) e Santa Catarina (1.041 ha). Enquanto oito registraram aumento (Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe), nove mostraram redução (Ceará, Goiânia, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí,  Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo).

No que se refere aos municípios, dez concentram 30% do desmatamento total no período. Desses, cinco estão situados em Minas Gerais, um no Mato Grosso do Sul e quatro na Bahia. Três cidades baianas encabeçam a lista: Wanderlei (com 1.254 hectares desmatados), Cotegipe (907 ha) e Baianópolis (848 ha). Em seguida vêm São João do Paraíso (MG, 544 ha), Araçuaí (MG, 470 ha), Porto Murtinho (MS, 424 ha), Francisco Sá (MG, 402 ha), Capitão Enéas (MG, 302 ha) e Gameleiras (MG, 296 ha). 

Apenas 0,9% das perdas se deram em áreas protegidas, enquanto 73% ocorreram em terras privadas – reforçando que as florestas vêm sendo destruídas sobretudo para dar lugar a pastagens e culturas agrícolas. A especulação imobiliária, acima de tudo nas proximidades das grandes cidades e no litoral, também é apontada como outra das causas principais. O respeito à Lei da Mata Atlântica e ao Código Florestal, portanto, deveria ser o primeiro passo para reverter essa situação. Mas esses mecanismos legais também estão em risco.

Um exemplo é a Medida Provisória (MP) 1150, aprovada no Senado neste mês, que abre brechas para que a restauração florestal no Brasil nunca aconteça. A Medida, porém, além de praticamente inviabilizar a recuperação de áreas degradadas, ainda continha graves “jabutis” – emendas sem relação com o tema principal da proposta legislativa. Uma delas permitia maior derrubada de florestas nativas e acabava na prática com a Lei da Mata Atlântica. Felizmente, a emenda foi impugnada no Senado, mas a vigília permanece, já que a MP agora retorna à Câmara antes de ir à sanção ou veto presidencial. 

Sobrevoo no Paraná. Foto: Zigh Koch.

Nova tecnologia revela área de florestas remanescentes maior do que se conhecia, mas desmatamento pode ser até três vezes maior 

O Atlas da Mata Atlântica possibilita, em toda sua série histórica, a identificação e comparação de desmatamentos maiores que três hectares, avaliando, dessa forma, a conservação dos maiores remanescentes de matas maduras e sem sinais de degradação no bioma, o que corresponde a 12,4% da área original. O mapeamento abrange o território dos 17 estados, conforme limitado pelo Mapa da Área de Aplicação da Lei da Mata Atlântica. 

Esses 12,4% monitorados pelo Atlas fazem parte dos 24% de cobertura florestal total remanescente observada pelo MapBiomas – que mapeia remanescentes acima de 0,5 hectare e em diferentes estados de conservação, incluindo florestas maduras e matas jovens em regeneração, que também têm importante papel para a conservação da biodiversidade e o futuro do bioma. 

A cobertura florestal de 24% é a referência do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, iniciativa lançada em 2021 em parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica, a Arcplan e o MapBiomas, com apoio da Fundação Flex e do Fundo Canadá, para intensificar o monitoramento e combater o desmatamento.

Para também marcar o Dia da Mata Atlântica, o SAD lança um levantamento dos desmatamentos identificados entre janeiro e dezembro de 2022. Foram registrados 9.982 alertas no ano, somando 75.163 hectares perdidos, entre florestas maduras e jovens. A área total perdida, portanto, é quase 4 vezes maior do que a contabilizada pelo Atlas, ameaçando tanto as matas jovens quanto as maduras do bioma.  

No período de janeiro e fevereiro de 2023, o SAD detectou 853 alertas, num total de 6.139 hectares desmatados, o que corresponde a uma taxa de 104 hectares perdidos por dia no início do ano.

Além do mapeamento, a SOS Mata Atlântica realizou um sobrevoo em áreas de mata no Paraná, estado que, com importantes florestas de araucárias, ano a ano aparece entre os que mais devastam o bioma. O sobrevoo confirmou as informações do SAD Mata Atlântica que mostram um padrão de desmatamentos menores, porém persistentes, na região. “São derrubadas em faixas laterais, que devoram a mata pelas beiradas, e em pequenas áreas interiores, como furos em um queijo suiço, feitas assim justamente para não serem detectadas pela maior parte das tecnologias, mas que agora o SAD é capaz de capturar”, explica Luís Fernando Guedes Pinto.

Foto: Zigh Koch.

Enquanto o Atlas oferece uma “fotografia” anual do estado de conservação dos grandes fragmentos florestais, que são de maior importância para a biodiversidade, e pretende embasar políticas de longo prazo para a conservação da Mata Atlântica, os dados do SAD são divulgados semanalmente na plataforma MapBiomas Alerta com o objetivo de gerar uma documentação completa e pronta para o uso para cada alerta de desmatamento,  buscando maior celeridade e eficácia nas ações dos diversos órgãos responsáveis por combater e fiscalizar o desmatamento.      

“São sistemas com objetivos, abordagens e métodos distintos. Cada um possui suas peculiaridades, mas os dados que produzem são complementares e permitem uma visão mais abrangente da Mata Atlântica. O SAD e o Atlas representam ‘lentes’ diferentes de análise, porém são igualmente necessários para uma compreensão do estado atual de conservação do bioma e para o planejamento de ações de conservação e restauração”, explica Marcos Rosa, diretor da Arcplan e Coordenador Técnico do MapBiomas.

O relatório completo do Atlas da Mata Atlântica 2021-2022, incluindo os comparativos ano a ano, pode ser acessado nesta página, além do site www.aquitemmata.org.br. Já os dados do SAD Mata Atlântica são disponibilizados nesta plataforma, com resultados reunidos em boletins trimestrais publicados pela Fundação SOS Mata Atlântica.

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