Polinizando natureza no meio urbano
16 de novembro de 2021Por Mônica C. Ribeiro
A jornalista Ananda Apple é hoje muito conhecida pelo Quadro Verde, criado por ela em 1998 na TV Globo como um respiro para as tragédias que costumam ocupar os programas jornalísticos. Passados mais de 20 anos, o interesse por temas voltados à natureza e ao cuidado com plantas só cresce, e a audiência permanece firme, garantindo um espaço que ela define como ‘quase uma efeméride’ quando se trata de tempo de TV.
Sensível à natureza e à Mata Atlântica desde criança, com a biofilia [inclinação inata de ser afetado pela presença da natureza e de outros seres vivos em seu ambiente] à flor da pele, Ananda aprendeu, ao longo dos 23 anos do Quadro Verde, a identificar espécies exóticas e nativas, e é costumeiramente consultada pelas pessoas sobre cuidados com plantas. Mas é a primeira a dizer que ainda tem uma vastidão a aprender com a natureza.
Em entrevista exclusiva para a SOS Mata Atlântica, a jornalista reflete sobre a presença da natureza no meio urbano, a necessidade de promover o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica em detrimento das exóticas, a responsabilidade dos paisagistas e do poder público nesse assunto e a falta de conexão das pessoas com tudo isso.
Ananda destaca também como o cuidar da natureza resgata a humanidade, rememorando algumas reportagens que marcaram sua trajetória, e credita esse resgate ao fato de a natureza lembrar a infância, o comer fruta no pé, ativar cheiros, memórias. Um tempo que em geral tende a ter sido feliz para a maioria das pessoas.
Com uma varanda cheinha de plantas em seu apartamento, a jornalista reclama do paisagismo dos condomínios, que segue a cartilha do plantio de espécies exóticas e poda frutíferas em ‘forma de geladeira’, o que as impede de frutificar. E diz que se prepara para instalar uma colmeia de abelhas nativas no apartamento.
“A gente glamouriza a abelha bonitinha, bundudinha, amarela e preta, africana, que pica pra danar, mas não conhece as abelhas nativas, que te fazem o favor de polinizar, não te agridem e ainda dão mel. A gente precisa saber reconhecer essas abelhas. Devo ter visto muita abelha nativa e confundido com mosca ou outro inseto. Agora, cada vez que vejo já sei que é uma nativa e o quanto precisamos dela”.
Qual a sua primeira lembrança de contato com a Mata Atlântica?
AA: Sou gaúcha, então eu tinha contato – como toda criança dos anos 1960, quando o mundo era mais normal, menos acabado como hoje – com a natureza, com os morros de Porto Alegre, com a beira de praia, com a Serra Gaúcha. Que para mim é o lugar mais lindo do mundo. E todos esses lugares, de uma forma ou de outra, tinham Mata Atlântica. E aquilo me causava uma alegria, um conforto interno, felicidade mesmo. Eu tinha uma conexão, me sentia bem, e tinha uma paciência, que não é muito típica de criança, de sentir cheiros, de observar passarinhos, de procurar onde é que estava aquele canto. Aquilo me encantava totalmente. Como encanta até hoje.
Se eu pudesse, passaria todas as minhas férias, o que de certa forma faço, na Serra Gaúcha. Se vou à praia no litoral norte de São Paulo, o que me encanta é aquele paredão que ainda existe, de Mata Atlântica. Não gosto da praia pela praia. É bonita, mas para mim tem que ter aquele verde, aquela troca, aquela conexão com a mata. E o que acho mais lindo é a mistura de cor, de altura, de formas diferentes, essa riqueza da nossa mata, e que você caminha por ela e o chão é todo forrado de maravilhas. A nossa mata é uma comunidade gigantesca, e cada detalhe, cada metro dela tem dezenas de coisas diferentes para olhar e observar.
Você é conhecedora de muitas espécies, tanto nativas quanto exóticas. Isso foi por autodidatismo, você procurou curso, aprendeu com as plantas?
AA: Eu era uma guria que tinha muito prazer em ter vaso de planta no meu quarto. Não sabia o nome de nada, mas cultivava, e provavelmente errava em quase tudo, dando sol e água errados. Não tinha a menor ideia do que eram aquelas plantas, e dessa divisão do que é exótico e o que é nosso.
Depois, já jornalista, demorei muito tempo para ter varanda, foi em 1993. Os apartamentos em que morei antes tinham parapeito, o que é uma tragédia para quem gosta de plantas. Pendurava plantas no alto, folhagens, e no parapeito colocava principalmente violetas. Ficava bonitinho, mas eu errava, porque tratava todas as plantas do mesmo jeito.
Hoje tento colocar o máximo de plantas perenes na varanda, como orquídeas, bromélias, aquelas que duram, que você vai criando mudas e multiplicando. Gosto que elas tenham uma história, que eu saiba de onde vieram.
Ao longo da minha trajetória como jornalista, criei o Quadro Verde, em 1998, quando estava cansada de cobrir tragédias. Eu pensei: por que não, uma vez por semana, fazer uma matéria mostrando que o jacarandá-mimoso está em flor, que o ipê está florindo, ou uma feira de plantas? E isso foi um enorme aprendizado sobre o que o público gosta e precisa, mas também um aprendizado pessoal, porque embora gostasse muito de plantas, era uma ignorante completa sobre o assunto. E fui aprendendo que existem as árvores que são naturais daqui e as que não são.
As pessoas acham que eu sei muito, mas quando você sabe muito sobre um assunto, é a primeira a saber que não sabe nada. Que tem uma vastidão a saber sobre aquilo. E pior, o que mais sei é sobre árvores e plantas estrangeiras. Porque simplesmente é o que a gente vê em 80% das ruas em termos de quantidade. O pouco que sei sobre as nossas plantas aprendi com amigos como o Cardim [Ricardo Cardim, botânico e paisagista]. Eu sei ao sabor do que temos. E o que temos é exótico em grande parte.
Quando a criança tem contato com a biodiversidade, seja com as plantas, árvores e frutos, ela tende a crescer um adulto que cuida mais do meio ambiente. Como vão as crianças hoje em relação a isso?
AA: As crianças de hoje só conhecem fruta estrangeira. Pitanga, uvaia, cambuci, uma meia dúzia só que conhece. E isso é terrível. A gente não cuida nem se interessa por aquilo que não conhece, que não está no nosso caminho. Se a tua avó não tinha uma pitangueira no quintal, como a minha tinha, que carinho e que conhecimento você vai ter dessas pitangueiras que estão na rua? Você vira aquele adulto chato, que reclama que a árvore faz sujeira no chão, que escorrega, tem que varrer, enfim.
E nos prédios também não temos nativas. Eu queria ver um governo sério, que um dia colocasse no cargo certo a pessoa certa, que entende minimamente do assunto. Aqui em São Paulo, na Secretaria do Verde, já passou do tempo de a gente ter um botânico, um biólogo, um agrônomo na direção. Tivemos o Gilberto Natalini, que não aguentou e saiu, e o Eduardo Jorge, que tinha uma postura aguerrida e interessada em relação a isso. E mais nada. Estamos atrasados em ter um entendido no lugar certo e leis que, no mínimo, obriguem cada casa, cada empreendimento imobiliário a fazer pelo menos 50% do seu jardim com plantas nativas, para atrair e preservar também os nossos pássaros.
A gente tinha centenas de espécies de pássaros na capital, agora vemos sempre os mesmos. Cadê os passarinhos que comiam determinadas coisas? Não são atraídos, porque não têm o que comer. Até quando vamos ficar colocando azaleia, grama preta, pingo-de-ouro em todos os prédios de São Paulo? Todas iguais, com as mesmas pragas, sem nenhuma comunicação com a nossa fauna e o nosso clima.
Em termos urbanos, além de plantarem poucas árvores, plantam e podam errado. Não temos um paisagismo responsável. É um paisagismo da inércia em sua maioria. O cliente quer aquilo que ele viu na esquina, e o paisagista atende porque é o que tem nos viveiros, e que está mais barato. Tenta fazer um jardim brasileiro para ver se é fácil! Quantos viveiros, donos de incorporadoras, terão que ser convencidos para isso? É um trabalho quixotesco.
O Quadro Verde traz matérias que trabalham muito a questão das boas experiências, tanto em relação a consumo quanto a plantas, natureza, um leque bem vasto. Você foi aprendendo com o interesse do seu público no processo. Como vê a evolução desse interesse?
AA: No início, comecei a fazer alguns ao vivo, timidamente, até que passei a ter um dia fixo. Sofri preconceito entre os próprios colegas, do tipo: florzinha é coisa de dona de casa, de velha, de desocupado, uma coisa menor. Isso sempre me chocou. Florzinha é meio ambiente! Sem isso não tem ninguém, não tem espécie humana. Por que tratar desse jeito, como uma coisa de segunda categoria?
Ao longo do tempo, quanto mais fixava esse dia, mais ganhava tempo no jornal e mais eu aprendia. Fui mostrando para os meus colegas, para a chefia, que não era coisa de dona de casa, de mulherzinha dondoca desocupada. Tem uma coisa curiosa, às vezes eu chegava numa delegacia, para fazer um caso policial mesmo, e o delegado vinha e perguntava: O que você está fazendo aqui? Isso não tem nada a ver com você! Mas já que está aqui, aproveita e me diz o que tem de errado com a minha samambaia, que não vai pra frente? E assim, em inúmeros ambientes que seriam masculinos, era surpreendente como eles me recebiam, mostravam o quanto gostavam daquilo e pediam conselhos.
Então fui mostrando que aquilo não era coisa de quem não tinha mais o que fazer. Isso é coisa de todo mundo. Todo mundo tem um lado que quer relaxar, que quer ter sua casa mais bonita. Ninguém aguenta ligar a televisão e só ver tragédia.
E é um movimento natural, quanto mais você faz, mais domina, tem fontes, mais observa e mais as coisas chegam. Fui percebendo o enorme interesse de quase todas as pessoas por isso. Todo mundo, com alguma exceção, quer a natureza por perto, quer fazer na sua casa, quer acertar o seu jardim. Mesmo quando vou numa Casa Cor, na nata do que tem de mais moderno e tecnológico, sempre vai ter uma coisa que vai inspirar, que a pessoa vai ver que pode fazer em casa. Às vezes não com aquele super vaso vietnamita, mas com uma sopeira da tua avó que morreu, e que está lá no armário, esquecida. O Quadro Verde é para inspirar as pessoas e dar informação de utilidade.
E hoje em dia ele continua porque dá audiência. Ocupa um tempo enorme para os padrões da TV Globo, são reportagens de 5 a 8 minutos, mais o tempo das entradas ao vivo, o que na TV é uma efeméride, uma coisa de outro mundo, ainda mais há tanto tempo, 23 anos de programa. Ele ocupa esse tempo porque as pessoas o adoram. Pelo encantamento que desperta nelas. Que é uma fórmula muito eficaz de resgatar um pouco de verde e de vida nessas pessoas.
Acha que aumentou essa necessidade de conexão com a natureza no período da pandemia?
AA: Exponencialmente. A partir do momento em que a gente foi obrigado a ficar dentro de casa, não dá para ficar só vendo televisão e celular. Tem que ter um aconchego ali, ainda mais quem ficou sozinho. Todo mundo mexeu no seu jardim, nos seus vasos. Que nem aquele movimento de fim de ano de trocar sofá, lavar cortina, para começar o ano zerado. Acho que as pessoas quiseram fazer isso nas casas para se sentirem aconchegadas no meio de uma situação inédita e extremamente solitária.
E também foram obrigadas a ver como estavam as suas plantas. Em geral as pessoas não têm tempo nem conhecimento para cuidar delas. São muito desconectadas do fato de que a planta é um ser vivo, que tem seu tempo. No momento em que colocamos uma planta dentro de um vaso, é que nem um passarinho na gaiola. Você prendeu ela ali, ela não está num canteiro em que vai jogar raiz, chegar no lençol freático, procurar água, procurar onde tem mais sol. Então, já que prendeu, você é obrigado a dar luz certa, comida certa, adubar, não esquecer de regar, não afogar.
Me perguntam muito sobre que planta é possível ter que não precise de muita água, que não dê trabalho. Eu respondo – ué, de plástico! Planta é filho, com maior ou menor trabalho. E sempre me impressiona que num país com a diversidade vegetal como a nossa, a maior do mundo, as pessoas saibam tão pouco sobre plantas, em qualquer nível.
Falta informação. E as pessoas vão prestar atenção se elas entenderem a informação. É preciso ser bem simples, bem prático, didático, para que elas percebam que tem esse poder, que se prestarem atenção vão conseguir plantar uma árvore. Isso cria uma conexão. Não é só chegar e dizer ‘ah, nós não temos árvores na cidade, precisamos reflorestar’. Aí as pessoas vão achar que não é responsabilidade delas, e sim dos órgãos públicos. Mas cabe a cada um de nós defender cada árvore que existe. É trabalho de cidadão o plantar e o proteger. E as pessoas vão fazer isso, mas desde que conheçam, que tenham informação.
Somos parte da natureza, mas nos desconectamos dela, e parece que, até inconscientemente, a gente sente a falta dessa conexão. E perdemos também a noção de causa e efeito, de que tudo isso que está acontecendo, essas tempestades de areia no interior de São Paulo, essa variação tresloucada de temperatura, chuvas exponenciais, tudo isso tem a ver com mudança climática, com árvore, vegetação, uso da terra…
AA: Com aquela árvore que a pessoa manda tirar da frente da casa porque faz sujeira, está muito alta ou atrapalhando o carro. Ela não vê que é mais uma responsável por tudo isso. Tira uma daqui, outra dali, somam milhares durante o ano, e o clima vai mudando. E as pessoas não se dão conta.
Quando estou no estúdio e o Rodrigo [Bocardi, âncora do Programa Bom Dia SP e Bom Dia Brasil] aborda esse tipo de coisa, sempre tento dar uma puxadinha pra minha sardinha, para que as pessoas entendam que isso é consequência direta desse tipo de comportamento. Que não são as sete pragas do Egito. É sobre cada árvore que se tira, que se deixa de plantar ou se vandaliza.
Você vê alguma possibilidade de a comunicação ajudar a clarear isso?
AA: Por que você trabalha nisso? Por que eu luto para fazer o Quadro Verde? Porque a gente acredita no nosso papel profissional nessas questões. A gente tem uma convicção pessoal. Fico pensando que, se ao longo dessas duas décadas de Quadro Verde ensinei alguém a plantar uma árvore, a multiplicar, já me sinto agradecida. É esse o meu papel. Essa é a minha luta. Então é isso que eu posso fazer.
Mas é também eventualmente externar a minha indignação cada vez mais sobre a necessidade de a gente ter profissionais lidando com esse assunto. Estamos vivendo um momento de treva absoluta no Brasil. Está tudo errado em todos os níveis. Nunca pensei que a gente fosse viver essa tragédia política.
Esse mundo da internet, cada um na sua casa, isolado, é desconectado da humanidade. É tudo virtual, de faz de conta, superficial. Eu sou juventude dos anos 1970, de mobilização, de ter visto o que era a ditadura, de saber como era antes, o que não podíamos fazer, e o que a gente passou a poder. A gente passou a poder tanto, e fizemos esse horror com o país, elegendo esse governo. E cada um continua no seu pedaço, no seu celular, não é comigo…
Tento fazer o que eu faço também para dar um pouco de alegria para as pessoas, e para que elas entendam que precisam fazer a sua parte, tentar destruir menos, preservar mais. Esse é o meu papel.
Alguma reportagem te marcou especialmente nesse tempo todo de trabalho ligado aos temas da natureza?
AA: As que me marcam são em geral aquelas que envolvem personagens, pessoas que, com pouco, fazem muito. Ou têm essa visão que não é acadêmica, que não aprenderam na faculdade, mas que é uma sensibilidade verde.
Tipo o senhor da zona norte que cuida de um terreno abandonado do INSS, que pega garrafa pet na rua e vai multiplicando muda. Que não tem mangueira, mas usa um regador, rega coisa por coisa, e distribui as mudas sem vender.
Ou a senhora que via a sua casinha ali na zona sul toda de cimento e transformou metade do terreno em flor, fruta, verdura. É uma questão de sensibilidade. E sim, aquilo dá trabalho, mas para ela não é trabalho, é prazer. E para aquele senhor também.
São essas coisas na verdade que marcam, de pessoas que observam a natureza. Isso é uma coisa que vem do coração delas. E quando isso vai ao ar, ilumina. As pessoas acabam dizendo nas minhas redes sociais coisas como ‘hoje meu dia valeu a pena’, ou ‘eu ainda acredito na humanidade’. São momentos de resgate da humanidade mesmo.
Também é muito marcante quando conseguimos achar os pássaros, porque é muito difícil filmar esses bichos. Nunca fazem o que você quer, quando a gente encontra mudam de lugar. Então quando temos o prazer de vê-los comendo coquinho, tomando banho ou indo para o ninho, são momentos iluminados. Eu ganho o dia.
Como o cuidar da natureza resgata a humanidade?
AA: Porque eu acho que lembra a infância das pessoas. Quando ainda eram felizes. Quando a gente enfiava todo mundo num fusquinha e ia para a praia, campo, o sítio da avó, e tinha um carinho da avó, e o bolo, a rede, e comer a frutinha do pé…acho que mexe com aquilo que é mais feliz na gente. Com aquilo que vai estar sempre guardado e garantido, que não esquecemos, cheiros, que são ótimas memórias. Acho que tem esse componente de resgate de um tempo que em geral era feliz para a maior parte das pessoas.
Para onde que a gente vai quando está de férias? Eu pelo menos não quero ficar em São Paulo. Tem gente que deve achar que é cultura, quer ir a restaurantes, teatros etc. Tudo bem. Eu já fui para Nova York em busca disso, desse encanto de reconhecer os lugares dos filmes. Mas a gente quer ir mesmo é para a natureza. Para um lugar que tenha silêncio, em que a gente ouça grilo, passarinho, barulho de chuva, consiga ver o céu de noite cheio de estrelas, sem luz atrapalhando. Isso para mim só acontece nas férias, e é sinônimo de felicidade.
Acho gozado as pessoas que maltratam a natureza, mas quando chegam as férias querem um lugar de natureza, com cachoeira e tudo mais. Era para termos isso dentro da cidade, os córregos preservados, os riachos. A pessoa trata mal a natureza aqui e depois quer acessar a natureza em um outro lugar. A natureza deveria ser de todos os lugares e de todas as pessoas. Essa coisa da felicidade a que você se refere é isso. Porque é nosso primórdio.
A Mata Atlântica é onde vive 70% da população brasileira, e grande parte em área urbana. Há uma ausência de clareza de que se está dentro de um bioma e da riqueza dessa biodiversidade para a alimentação, para o abastecimento de água, enfim, para uma série de coisas. É espantoso como as pessoas não têm essa conexão…
AA: Exato. E aí acho que tem outra responsabilidade importante que é a dos paisagistas. Esses jardins que eles fazem em prédio, condomínio, jardim em estilo francês, japonês, enfim, cada árvore retinha, uma longe da outra, e as pessoas acham isso bonito. Eu não acho. Acho bonito um monte de árvore junta, uma ajudando a outra, com o chão cheio de folhas e de outras plantas.
Me dói quando vejo esse paisagismo certinho, limpinho, ajustado nos vasos. Os paisagistas têm que sobreviver, fazem o que o cliente pede, mas não se deve reforçar esse padrão de beleza totalmente antiecológico. Em que uma árvore não tem conexão com a outra, uma não protege a outra. Também cabe a eles tentar vender essa ideia da beleza do que é nosso.
Para quê ter pitanga, acerola, jabuticaba no jardim e mandar podar em forma de geladeira? As coitadas nunca vão conseguir produzir desse jeito. Para quê ter pomar então? Deixa ele crescer, deixa as crianças pegarem fruta no pé.
As pessoas gostam daquelas coisas quadradas, tudo limpinho. É contra isso que eu brigo, até no meu prédio.
Assisti a uma matéria sua sobre uma pessoa que tinha abelhas no apartamento…
AA: Ah, é um médico cirurgião, Marcos Crisci, que conheci em uma exposição de orquídeas. Já tinha ido à casa dele fazer uma matéria, ele tem 600 orquídeas na varanda.
Um tempo depois ele me ligou para dizer que estava fazendo ‘outra loucura’ – quatro colmeias de abelhas nativas dentro de casa. Achei uma coisa maravilhosa, fiz questão de fazer a passagem da matéria [momento em que o repórter aparece na reportagem] junto das abelhas, para desmistificar. Eu tenho cabelo comprido e não é por isso que elas vão se enroscar nele e vão me picar. Elas não têm nem ferrão!
A gente glamouriza a abelha bonitinha, bundudinha, amarela e preta, africana, que pica pra danar – mas também não tenho medo dela, deixo vir na minha mão, ensinei minhas filhas, como minha tia me ensinou, que se você não agredir ela não vai fazer nada.
Fiz questão de mostrar para as pessoas que essas abelhas nativas te fazem o favor de polinizar, não te agridem e ainda dão mel. Foi uma das matérias que mais gostei de fazer, mostrar o quanto é possível ter isso no meio urbano.
Tanto que dei uma geral na minha varanda, diminui a quantidade de plantas, fiquei só com as do coração, porque quero ter espaço para uma colmeia aqui também.
A gente precisa saber reconhecer essas abelhas. Devo ter visto muita abelha nativa e confundido com mosca ou outro inseto. Agora já sei identificar uma nativa e o quanto precisamos delas. E quando vejo em prédios, vou lá no zelador, na dona do prédio e digo o que é, para não matarem as abelhas. Foi uma das matérias que mais me deram prazer de fazer.
Ananda Apple e Marcia Hirota (diretora executiva da SOS Mata Atlântica)
Fotos: acervo pessoal de Ananda Apple