O evento de estreia do Viva a Mata 2023 falou sobre adaptação diante dos efeitos das mudanças climáticas
5 de maio de 2023texto: Luisa Borges e Marina Vieira
O primeiro Mata Atlântica em Debate de 2023, realizado nesta quarta-feira, reuniu a ciência, a sociedade civil organizada e o governo para falar de Clima e Eventos Extremos na Mata Atlântica. Cada vez mais intensos e frequentes, episódios como as chuvas fortes que afligiram o litoral norte de São Paulo no carnaval são consequência da alteração no sistema climático global.
No último relatório do Painel do Clima da ONU, foi destacado que as mudanças climáticas afetam a biodiversidade, saúde, produção de alimentos e água, mas que nós temos tecnologia e recursos financeiros suficientes para cortar cerca de 50% das emissões de gás carbônico até 2030 e reverter essa situação.
Enquanto o mundo se mobiliza para frear as mudanças climáticas, é preciso investir, com igual urgência, em medidas de adaptação a esses eventos, para evitar que mais e maiores tragédias aconteçam.
Para dar início ao debate e explicar o clima no nosso bioma, a Fundação SOS Mata Atlântica convidou o professor Humberto Rocha, professor titular do Departamento de Ciências Atmosféricas na Universidade de São Paulo (USP).
Humberto destacou um ponto muito relevante para essa conversa, que é a segurança hídrica. É importante lembrar que eventos extremos podem causar dois tipos de consequências: a primeira é a que foi vivida neste ano no litoral norte, com grandes inundações e deslizamentos; já a segunda é o efeito contrário, que também pode decorrer de mudanças climáticas, como a seca e as ondas de calor.
As ondas de calor têm efeito direto na sociedade e natureza, afetando a saúde das pessoas, da flora e da fauna. Com o passar dos anos, o regime de chuvas mudou muito no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, com secas que se intensificaram entre 2017 e 2021. Porém, vários casos isolados de chuvas extremas foram identificados nos últimos 13 anos, como em São Luis do Paraitinga, Petrópolis, Belo Horizonte e São Sebastião.
Coincidentemente, a taxa de aquecimento global começou a aumentar de forma muito acelerada no mesmo período, o que pode afetar diretamente na frequência das chuvas, causando cada vez mais casos extremos.
O professor também apontou algumas soluções possíveis para a adaptação a esses eventos extremos, mencionando três pontos principais que devem ser lembrados ao se discutir essa questão: a vulnerabilidade das regiões desmatadas ou muito urbanizadas, a exposição de famílias em ambientes propícios a desastres e a probabilidade.
A primeira solução encontrada, principalmente em lugares mais vulneráveis, é restaurar a vegetação. Em qualquer escala, a restauração é muito importante para conter ondas de calor, desde a construção de grandes florestas até praças e árvores nas calçadas das cidades.
Outro ponto é desenvolver a previsibilidade, com o fomento às tecnologias que podem proteger os moradores. Além da tecnologia, é importante trabalhar em conjunto com os meios de comunicação, encontrando formas cada vez mais acessíveis de alertar e educar as pessoas.
Trazendo a perspectiva dos grandes acordos globais sobre clima, Fernanda Carvalho, líder de políticas de clima e energia da WWF Internacional, mostrou que o Brasil está deixando muito a desejar. As metas nacionalmente definidas em 2020 (NDCs, na sigla em inglês) não nos levam a um cenário de equilíbrio ambiental.
Na avaliação do WWF, Brasil e México – os dois países mais ricos da América Latina – têm metas indesejáveis para o enfrentamento às mudanças climáticas, em contraposição à Costa Rica e Colômbia, por exemplo, que são países latinos com NDCs “que queremos”, na classificação da organização.
O Brasil não cumpriu com a meta de diminuir as emissões de carbono em 37% até 2025 e aumentou o desmatamento ilegal. De acordo com Fernanda, houve um aumento de desmatamento na Mata Atlântica de 66% no último período e isso é “inaceitável em um bioma com menos de 20%* no país e uma lei de proteção”.
Além disso, o país também assumiu outro compromisso de zerar emissões líquidas até 2050, porém até o momento não há nenhuma Estratégia de Longo Prazo (LTS) apresentada pelo governo.
A advogada também destacou a necessidade da ação de todos os países para reverter esse problema que é global, e o Brasil precisa fazer a sua parte se comprometendo com metas específicas, valorizando a restauração e discutindo com a sociedade sobre políticas públicas.
Felizmente, as metas brasileiras devem ser revistas, como contou Aloísio Melo, do Ministério do Meio Ambiente. Diretor do Departamento de Políticas de Mitigação, Adaptação e Instrumentos de Implementação da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do MMA, Aloísio falou dos planos do governo federal para lidar com as mudanças climáticas.
Como mencionado pela diretora de comunicação da SOS Mata Atlântica e mediadora do debate, Afra Balazina, atualmente o MMA define-se como Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o que já mostra maior importância do tema para o novo governo. Para o diretor, isso significa uma oportunidade e muitos desafios pela frente, além da necessidade da reconstrução da governança da política de clima para que ela seja transversal no governo federal.
Aloisio mencionou que “em termos de estratégia de desenvolvimento, a agenda climática é fundamental”. “É um tema que permite ao país se posicionar internacionalmente não só do ponto de vista política, mas também econômico e comercial”, disse ele, destacando a possibilidade de gerar empregos em atividades menos intensivas em carbono e fazendo com que essa política seja central e recorrente, contribuindo de fato para o crescimento econômico do Brasil.
Tendo em vista os recentes episódios de chuvas extremas, Aloisio menciona a necessidade de analisar riscos e mapear áreas mais vulneráveis, principalmente por conta da evolução dessas regiões que se urbanizam de forma irregular e muito rapidamente, o que gera mais ameaças ainda. Um estudo mencionado pelo professor Humberto fala em 9,5 milhões de brasileiros morando em áreas de risco – uma grandeza que pode ser ainda maior, uma vez que a projeção foi feita em cima do Censo de 2010 e desde então a população aumentou.
O diretor ainda alertou que “é um processo acumulativo, nós já estamos vivendo as mudanças do clima e as alterações no sistema climático ocorrem mais rapidamente e com mais intensidade do que a tecnologia pode prever”. Por esse motivo, é fundamental fazer com que os instrumentos de alerta sejam difundidos para reduzir o número de tragédias.
Provocados por Afra Balazina, os convidados também falaram sobre mercado de carbono. Fernanda explica que existem dois tipos de mercado de carbono: o que é realizado de forma voluntária por empresas que são focadas em ESG e responsabilidade socioambiental, e o mercado entre países, que é regulado por acordos internacionais.
Para ela, é um instrumento válido, porém que necessita de um regramento rigoroso, levando em consideração a integridade ambiental. “Não acho que o mercado seja a ‘bala de prata’ para a questão do clima, mas ele pode ter uma contribuição desde que bem feita”, completa a mesma.
Aloisio concordou com Fernanda, de que devemos ser cuidadosos no uso desse instrumento. “Isso merece atenção do governo federal porque algumas das situações que envolvem o uso da terra, envolvem povos indígenas e povos e comunidades tradicionais têm gerado verdadeiro assédio a essas comunidades por interessados em vender esses créditos de carbono”, alerta o diretor.
É preciso tomar cuidado para que esse mercado voluntário, que está em efervescência, não fira direitos e tenha de fato integridade ambiental, ou seja, que entreguem o que estão prometendo, completa Aloisio.
O principal, para o diretor, é integrar esses mercados às demais políticas de clima, a um sistema de regulação, fazendo, por exemplo, com que haja um limite para o quanto os grandes emissores podem emitir e “compensar”, e que estabeleçam metas de redução de emissões. “Todos os instrumentos custo-efetivos que resultam numa trajetória decrescente de emissões, rumo à descarbonização, devem ser acionados”, declara.
Fernanda Carvalho respondeu a uma pergunta vinda do público sobre as chamadas “Soluções Baseadas na Natureza”, destacando a restauração como uma das prioridades. A restauração traz muitos benefícios para a sociedade, como a manutenção e enriquecimento da biodiversidade, geração de empregos e estabilização do solo.
Humberto mencionou também o quanto essas soluções são antigas e ainda muito essenciais porque promovem o bem-estar físico e psicológico da sociedade contemporânea, que vive em sua maioria nas áreas urbanas.
Para combater o negacionismo climático, o professor Humberto recomenda três coisas: “educação, educação e paciência”. Ele diz que hoje em dia “os países e as instituições estão cobrando ações efetivas não só do governo, mas da iniciativa privada e dos cidadãos”.
Entre muitos exemplos citados pelo professor, há a eliminação da produção de motores por combustíveis fosseis por parte de algumas empresas europeias, uma demanda da sociedade que busca por alternativas de energia limpa, além do crescente investimento da China nesta área.
Aloisio reforça que o enfrentamento às mudanças climáticas é uma realidade atual e depende do esforço de toda a sociedade.
O debate estreia a programação do Viva a Mata 2023, uma comemoração ao mês da Mata Atlântica. Além dos debates online, serão realizados eventos presenciais em São Paulo, Itu (cidade-sede da SOS Mata Atlântica) e Brasília.
Haverá ainda mais um encontro virtual, desta vez falando das três últimas conferências de meio ambiente realizadas a nível global – a Conferência da Água, a COP15 de Biodiversidade e a COP27 de Clima. Tudo sob o olhar das juventudes.
* o número de remanescentes florestais na Mata Atlântica varia de acordo com a tecnologia que é usada para fazer essa mensuração. Pela lente do Atlas da Mata Atlântica, feito pela SOS Mata Atlântica em parceria com o INPE, é menos de 20%. Pela lente do MapBiomas, é cerca de 24%. Entenda mais aqui.