Dados da iniciativa de transparência Trase, divulgados em parceria com a SOS Mata Atlântica, mostram que, em 2020, mais de 22 mil hectares de soja foram encontradas em áreas desmatadas entre 2015 e 2019
13 de abril de 2023Um novo levantamento foi capaz de quantificar, pela primeira vez, o papel da produção de soja no desmatamento da Mata Atlântica. A iniciativa Trase, que traz transparência às cadeias de fornecimento das principais commodities agropecuárias associadas ao desmatamento, apontou em seu último relatório, divulgado em parceria com a Fundação da SOS Mata Atlântica, que em 2020 havia 22.338 hectares de soja na Mata Atlântica em áreas que foram desmatadas entre 2015 e 2019. O estudo mostra ainda que quase metade dessa soja (46%) foi exportada para a China, enquanto 44% foram consumidas no mercado brasileiro – com o envolvimento de diversas traders, muitas delas com compromisso de desmatamento zero em suas cadeias produtivas.
Trase é uma iniciativa de transparência baseada em dados que permite a compreensão de como o comércio e financiamento de commodities agravam o desmatamento em todo o mundo. Sua abordagem única de mapeamento da cadeia de suprimentos reúne diferentes dados públicos para conectar mercados consumidores ao desmatamento e outros impactos no terreno. As ferramentas on-line e inteligência acionável gratuitas do Trase permitem que empresas, instituições financeiras, governos e organizações da sociedade civil adotem medidas práticas para abordar o desmatamento.
Lar de 70% da população brasileira e onde se concentra 80% do PIB nacional, a Mata Atlântica é o bioma mais devastado do país. Mais de 48.660 hectares de suas matas, área equivalente à de cerca de 50 mil campos de futebol, foram – segundo levantamento do SAD Mata Atlântica, sistema de alertas desenvolvido pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Mapbiomas – derrubados somente entre janeiro e outubro de 2022. Essa perda corresponde à emissão de 23,3 milhões de toneladas CO2 equivalente e constitui uma grande ameaça para o fornecimento de água para milhões de pessoas, para a geração de hidroeletricidade e para a produção de alimentos, além de ser uma grande ameaça à biodiversidade.
“A Mata Atlântica é um hotspot da biodiversidade global, tendo sido apontada como uma das dez principais referências do mundo pela Década da Restauração de Ecossistemas da ONU”, explica Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica. “A agenda do bioma deveria, portanto, ser exclusivamente a da sua restauração. Já precisávamos, há anos, ter atingido o desmatamento zero, mas as derrubadas não só continuam como voltaram a crescer”, completa.
Segundo Vivian Ribeiro, líder do time de Inteligência Geoespacial da Trase, a restauração na Mata Atlântica deveria ser guiada pelas cadeias produtivas agropecuárias relevantes no bioma, como da soja, da pecuária, do café, da cana-de-açúcar e da laranja – e as empresas e suas associações teriam a obrigação de capitanear esse movimento. A realidade, no entanto, é bem diferente.
“Infelizmente, como aponta nosso relatório, em vez de serem protagonistas da restauração, da agricultura de baixo carbono e de uma produção de alimentos regenerativa, parte das cadeias produtivas ainda estão marcadas pelo desmatamento”, aponta. Para ela, essa mudança de paradigma é urgente. “Só assim poderemos garantir serviços ecossistêmicos essenciais para a nossa população e a nossa economia. As cadeias de fornecimento das principais commodities agropecuárias têm papel essencial para a construção de um futuro climático justo e seguro para toda a sociedade”, conclui.
O levantamento completo está disponível no site da Trase. Luis Fernando e Vivian também assinam um artigo no jornal Valor Econômico divulgando o estudo.
Foto de capa: plantação de soja no Paraná / Wikimedia.