Por Pedro Luiz Passos e Marcia Hirota*.
Quando a Fundação SOS Mata Atlântica nasceu, o mundo era outro. Palavras como sustentabilidade e clima não faziam parte do nosso vocabulário diário. O Ministério do Meio Ambiente, na época denominado também do “Desenvolvimento Urbano”, havia sido criado recentemente e a maioria dos Estados sequer tinha secretarias e órgãos ligados ao tema. Nem a Eco-92 – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento que reuniu chefes de estado no Rio em junho de 1992 para debater os problemas ambientais e introduzir a ideia de desenvolvimento sustentável – havia acontecido. A agenda que dominava o planeta era a do desenvolvimento, geração de riquezas e urbanização a qualquer custo. Se esse desenvolvimento avançava sobre nossas florestas e ambientes naturais era um detalhe que poucos se atentavam. O ano era 1986.
A origem da organização veio de uma situação difícil, como uma proposta de solução. A Jureia, no litoral sul de São Paulo, até hoje uma das áreas mais preservadas de Mata Atlântica no país, estava ameaçada pela especulação imobiliária e um projeto de usinas nucleares. Ambientalistas, empresários, jornalistas, cientistas, entre outros, se uniram para propor aos Governos de São Paulo e Paraná, numa reunião realizada na Ilha do Cardoso, um convênio para conservar o estuário Lagunar Iguape-Cananeia-Paranaguá. Da reunião, surgiu também a proposta de criação de uma entidade não governamental, independente e com a missão de mobilizar a sociedade para a proteção da Mata Atlântica. Nascia assim a Fundação SOS Mata Atlântica.
Nesses 30 anos, completados hoje, muita coisa aconteceu. A Mata Atlântica virou Patrimônio Nacional reconhecido na Constituição Federal de 1988, tornou-se Reserva da Biosfera pela Unesco, em 1991, e um dos 34 hotsposts mundiais, áreas tidas como prioritárias para conservação da biodiversidade. E a conservação e recuperação da Mata Atlântica entraram na agenda do país para ficar.
Muitos dos avanços na proteção do bioma se confundem com a própria história da SOS Mata Atlântica, principalmente no que se refere ao combate do desmatamento.
Em 1990, lançamos a primeira edição do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica e, desde então, junto com Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), monitoramos os 3.429 municípios da Mata Atlântica. O primeiro levantamento analisou dados referentes ao período entre 1985 e 1990 e nos mostrou que a destruição da floresta acontecia de maneira espantosa e precisava ser contida. A visibilidade trazida pelo Atlas, associada ao engajamento da sociedade em cobrar políticas públicas em prol do bioma, resultou na redução do desmatamento em 83% ao longo desses 30 anos. E, hoje, contamos com sete dos 17 Estados da Mata Atlântica no nível do desmatamento zero.
Costumamos dizer que a Mata Atlântica é a floresta mais rica, porém a mais ameaçada do país. Afinal, restam apenas 12,5% de sua área original, o que faz da recuperação e conservação pautas urgentes e para quais a SOS Mata Atlântica destina muitos esforços. Nossos programas de restauração florestal já plantaram 36 milhões de mudas de espécies nativas que recuperaram 21 mil hectares de Mata Atlântica, uma área equivalente à cidade de Recife. No setor da conservação, já apoiamos 500 reservas particulares, 38 unidades de conservação e mais de 2 milhões de hectares em áreas marinhas e costeiras protegidas.
Destaque também para nosso compromisso por marcos regulatórios específicos para a proteção do bioma, em especial a Lei da Mata Atlântica, promulgada em 2006 depois de 15 anos de tramitação no Congresso Nacional, e nossa contribuição para sua implementação por meio do fomento à elaboração dos Planos Municipais da Mata Atlântica. Nesse sentido, também tivemos atuação relevante na defesa de legislações como a do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, de crimes ambientais e Código Florestal.
A SOS Mata Atlântica é uma ONG que traz o espírito mobilizador no seu DNA e, ao longo dessa trajetória, sempre buscou envolver a sociedade nessa importante causa, como foi o caso do abaixo-assinado pela Despoluição do Tietê que, em 1991, muito antes de contarmos com recursos como a internet, coletou 1,2 milhão de assinaturas e deu origem ao Observando os Rios, programa que hoje envolve diretamente 3.600 voluntários na análise da água de rios por todo o país.
Todos esses resultados mostram que estamos de fato construindo uma agenda positiva e propositiva para o futuro da Mata Atlântica. Uma agenda inovadora, que valoriza e estimula o conhecimento, o desenvolvimento tecnológico e o fortalecimento de políticas públicas eficientes e arrojadas. Mas para essa agenda ser permanente, é preciso estimular o engajamento da sociedade, conectar a pauta ambiental ao dia a dia dos cidadãos e, assim, conduzir o país a novos rumos.
Há muitos desafios pela frente. As ameaças climáticas e a urgência em promover o desenvolvimento sustentável nos impõem responsabilidades e mudanças de paradigmas nos campos político, econômico, social e ético. Também não podemos mais aceitar o desmonte e a flexibilização da legislação ambiental, o desmatamento ilegal e a falta de saneamento que torna os rios mortos, os mananciais poluídos e as praias contaminadas.
Vamos inovar e avançar nessa agenda positiva, de incentivos econômicos mais arrojados para quem preserva a floresta nativa e protege os serviços ambientais, e mais instrumentos econômicos para a restauração dos ecossistemas, valorizando o legado do movimento ambientalista, da comunidade científica e dos saberes populares, especialmente das comunidades tradicionais no Brasil.
Nesse dia de comemoração, renovamos nosso compromisso em monitorar, proteger, recuperar e inspirar a sociedade na defesa da Mata Atlântica. Agradecemos às pessoas que criaram e contribuem com esse movimento. Um agradecimento especial aos fundadores, conselheiros, parceiros, filiados, patrocinadores, colaboradores, voluntários e todos aqueles que fizeram e fazem parte dessa história. Parabéns SOS Mata Atlântica!
*Pedro Luiz Passos e Marcia Hirota são, respectivamente, presidente e diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie.