Artigo de Leandra Gonçalves, originalmente publicado no Diário do Nordeste – O Brasil sempre se desenvolveu de costas para o mar. A maior prova disso é o atual estado de abandono do nosso litoral. Com mais de 8.600 km de linha de costa e 3,5 milhões de km2 de Zona Econômica Exclusiva, a região costeira e marinha brasileira representa um enorme patrimônio natural incluindo diversos ecossistemas e berçários de vida marinha. Além disto, esta região abriga cerca de 25% da população do país, contribuindo com o sustento de, pelo menos, 4 milhões de brasileiros que utilizam seus recursos naturais para a sobrevivência.
No entanto, apesar de sua importância ambiental, econômica e social, este patrimônio encontra-se ameaçado em função de problemas inter-relacionados como: limitado suporte político e governamental para a implementação dos instrumentos já existentes; ausência de instrumentos de políticas públicas convergentes e inovadoras, além do forte avanço do setor produtivo não-regulado.
Através de entrevistas, reuniões técnicas e compilações de dados científicos, a Fundação SOS Mata Atlântica e a Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados facilitaram a construção participativa e democrática de uma proposta de novo instrumento de política pública, um projeto de Lei do Mar. Este processo contou com a participação de cientistas, parlamentares, profissionais e especialistas no tema e procurou avaliar os possíveis efeitos que este novo instrumento poderia apresentar no aprimoramento da governança costeira e marinha no Brasil, visando aprimorar os usos e garantir proteção dos recursos naturais para essa e para as futuras gerações.
A lei, conhecida como PL 6.969, foi apresentada no Congresso Nacional no final de 2013 e segue pelos trâmites regulares e comissões temáticas até a aprovação e sanção presidencial, processo que poderá levar anos. Busca-se com esse processo garantir o envolvimento de setores da pesca artesanal, pesca industrial, setor produtivo, órgãos públicos, instituições de ensino e pesquisa e organizações da sociedade civil visando a garantia de representatividade e participação dos diversos setores no acompanhamento do longo processo de tramitação regular, no aprimoramento e na manutenção dos princípios básicos para os quais a lei precisa ser formulada.
Contribuir ao aprimoramento das políticas públicas e da legislação ambiental faz parte da história da Fundação SOS Mata Atlântica. É com base nas lições aprendidas durante os 14 anos de tramitação do Projeto de Lei da Mata Atlântica, que regulamenta o uso e a exploração de seus remanescentes florestais e recursos naturais, que está sendo elaborada a lei para o mar.
A construção coletiva realizada até o momento garantiu, a exemplo do que vem acontecendo em outros países, que a lei não fosse baseada apenas em princípios de conservação ambiental, mas que trouxesse elementos e ferramentas inovadoras como o planejamento espacial marinho que considera as aptidões naturais das regiões e busca compatibilizar os diversos usos do mar. Além disso, o projeto de lei traz instrumentos que incentivam o uso de atividades não-extrativas, como o turismo, por meio de subsídios, que até então são fornecidos pelo governo brasileiro principalmente para atividades extrativas como exploração de petróleo e pesca industrial. Também, buscou-se a inclusão de princípios como o do poluidor-pagador e do usuário-pagador, internalizando os custos ambientais no processo produtivo, devendo o poluidor arcar com o custo das ações de despoluição e o usuário de recursos naturais, pagar pelo uso deles.
A construção deste instrumento de política pública moderno e inovador representa um grande avanço para as ações de conservação marinha no Brasil. É também uma oportunidade para o Brasil discutir quais são os desafios para enfrentar os oceanos de frente compatibilizando os usos econômicos, sociais e ambientais de forma participativa e democrática. Com sua extensa zona costeira temos a chance de não deixarmos os mares à deriva. Pelos mares, em frente e avante.
*Leandra Gonçalves é bióloga e consultora da Fundação SOS Mata Atlântica