Diversas Organizações Não Governamentais que atuam na proteção do Meio Ambiente e do patrimônio SocioAmbiental, incluindo a Fundação SOS Mata Atlântica, publicaram na última quinta-feira (8/11) um manifesto contra o Licenciamento Ambiental do Complexo Portuário de Serviços Porto Sul que será instalado em Ilhéus, no sul do Bahia.
A área onde se pretende instalar o Complexo Intermodal Porto Sul está inteiramente incluída na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e foi alvo da criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Encantada devido à sua importância para proteção dos valiosos ecossistemas remanescentes da Mata Atlântica na bacia do Rio Almada, sua nascente, os manguezais e áreas úmidas associadas a seu estuário, além da riqueza que possui como abrigo de espécies raras da fauna e flora locais, e da sua grande beleza cênica. Além disso, o Sul da Bahia abriga uma reconhecida biodiversidade marinha, e seu mar e costa possuem relevante valor ecológico, de proteção do litoral, sendo também importante fonte para a produção pesqueira.
A instalação do Complexo Porto Sul na região (que prevê terminal ferroviário, porto, retroporto, rodovia e um aeroporto internacional) terá fortes impactos sobre o ecossistema, com prejuízo às populações que dele dependem para atividades como pesca e turismo.
Confira abaixo o Manifesto na íntegra.
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MANIFESTO
da Sociedade Civil contra o processo de Licenciamento Ambiental do Projeto Portuário Intermodal Porto Sul
Ao IBAMA-Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, ao Ministério do Meio Ambiente e a Presidência da República
c/c – Ministério Público Federal – Pólo Ilhéus/Itabuna
Ministério Público do Estado da Bahia
Tribunal de Contas da União
Referimo-nos ao processo de licenciamento ambiental do Projeto Portuário Intermodal Porto Sul, previsto para ser implementado na região Sul do Estado da Bahia, município de Ilhéus, localizado dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental Lagoa Encantada e Rio Almada. Tendo como empreendedor o DERBA- Departamento de Infraestrutura e Transporte do Estado da Bahia, embora o empreendimento que atenderá a interesses privados para o escoamento de minério de ferro oriundos da iniciativa privada.
Diante da complexidade do processo de licenciamento ambiental deste empreendimento visto que:
– a área onde se pretende instalar o Complexo Intermodal Porto Sul está inteiramente incluída na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica reconhecida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), evidenciando o compromisso do Governo Brasileiro com a conservação e desenvolvimento sustentável da área;
– a Mata Atlântica é reconhecidamente um bioma de importância global e sob ameaça de alto grau, ou seja, um hotspot, contendo mais de 1.500 espécies de plantas vasculares endêmicas, cujos ecossistemas prestam inestimáveis serviços a sociedade, incluindo manutenção de água de qualidade para as cidades, equilíbrio climático, uma das paisagens mais belas do mundo, viabilizando enorme indústria turística etc., mas infelizmente já tendo perdido, pelo menos, 93% de seu habitat original;
– que o Brasil é signatário da Convenção sobre a Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas (ONU) e da ICRI (International Coral ReefInitiative) – Iniciativa Internacional dos Recifes de Coral, tendo firmado compromissos no âmbito internacional para a proteção e conservação da biodiversidade e que, além disso, a ONU declarou o ano de 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade, ano em que o Brasil se comprometeu oficialmente em eliminar o desmatamento na Mata Atlântica, tendo aderido oficialmente à Plataforma Internacional de Informações sobre Biodiversidade;
– a biodiversidade marinha do Sul da Bahia, em especial os recifes de coral, é considerada como de alta importância biológica, é conferida à região uma enorme responsabilidade de proteção e uso sustentável desses ambientes, devido à variedade de bens e serviços que promovem, tais como (i) proteção do litoral contra a ação das ondas, (ii) berçários para as espécies marinhas, (iii) uso recreativo e turístico e (iv) fontes de compostos medicinais, além do Sul da Bahia ser um importante depositário de espécies endêmicas;
– o patrimônio cultural e natural do Sul da Bahia é resultado de relações históricas seculares de comunidades locais e centenas de milhares de produtores e trabalhadores rurais, pescadores, comunidades quilombolas e remanescentes indígenas, cuja economia tem sido marginalizada ao longo de décadas, mas bem aproveitada poderia ser a base de uma nova economia regional movida pela produção de cacau e chocolate, frutas, fibras naturais, indústria de base local e de micro e pequena escala, turismo e cultura regional, e que estas mesmas populações poderão ser as maiores vítimas de projetos corporativos como os doComplexo Porto Sul;
– o turismo é uma das principais atividades da região, tendo um papel fundamental no combate à pobreza e sendo uma ferramenta crucial para o desenvolvimento sustentável com empreendedorismo criativo; neste quesito, é relevante o fato de que as principais motivações turísticas da Bahia são (i) a NATUREZA e (ii) o PATRIMÔNIO HISTÓRICO, e que o Prodetur (Programa de Desenvolvimento do Turismo – Nordeste), financiado por recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para promover a expansão e melhoria da qualidade da atividade turística na Região Nordeste e para melhorar a qualidade de vida das populações residentes nas áreas beneficiadas, pode ter sua credibilidade institucional ameaçada com a implantação do Complexo Porto Sul;
– a região prevista para o Complexo Porto Sul ser implantado – área às margens do Rio Almada e área da Lagoa Encantada – foi tombada pelo Município de Ilhéus e, em 1993, foi alvo da criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Encantada, que inclusive foi ampliada, em 2003, com o objetivo de conservar os valiosos ecossistemas remanescentes da Mata Atlântica na bacia do Rio Almada, sua nascente, os manguezais e áreas úmidas associadas a seu estuário, a riqueza que as áreas indicadas possuem como abrigo de espécies raras da fauna e flora locais, a grande beleza cênica que compõe o referido ecossistema, com imenso potencial de desenvolvimento de ecoturismo;
– que a implantação do Complexo Intermodal Porto Sul afetará diretamente o Corredor Ecológico Esperança Conduru, território prioritário para a conservação e recuperação da Mata Atlântica e ambientes costeiros, incluindo áreas de preservação permanente, assim definidas pelo artigo 215 da Constituição do Estado da Bahia e pelo Código Florestal, como, por exemplo, recifes de coral, manguezais, dunas e restinga.
Além disso, e considerando que:
– existem sérias deficiências no processo de licenciamento em curso e questões extremamente relevantes para análise dos impactos ambientais não respondidas pelo empreendedor. Como exemplo, questões levantadas como os impactos nas praias da costa norte de Ilhéus não foram devidamente equacionadas, conforme determinação dos analistas do Ibama.
– o eventual impacto da infraestrutura portuária pretendida e os recifes de corais lá existentes não foi devidamente esclarecido. Vale a pena lembrar que esses corais são os únicos do Atlântico Sul e a sua importância tem sido assinalada desde a publicação do livro de Charles Darwin, Coral Reefs. Mesmo com a nova localização, a movimentação de sedimentos e até a possibilidade de surgimento de espécies invasoras podem comprometer os corais;
– o EIA-RIMA apresentado em Audiência Pública ocorrida em Ilhéus em outubro de 2011, e seis meses depois nos municípios de Itabuna, Barro Preto, Itajuípe, Uruçuca e Itacaré, foi bastante questionado pela Sociedade Civil e Academia por apresentar informações inconsistentes e ausência de análise de alternativas locacionais reduzindo dessa forma a margem para o processo de tomada de decisão;
– o projeto Porto Sul representa conflitos expressivos com as potencialidades da região, sobretudo à pesca, o turismo e a recuperação das atividades agrícolas. Desta forma, comprometendo o potencial de desenvolvimento endógeno da região;
– os documentos complementares ao EIA apresentados pelo empreendedor, pós Audiência Pública, anexados ao processo, não foram publicizados adequadamente à comunidade;
– pelo montante de informações complementares anexadas ao EIA, é necessário uma nova Audiência Pública, uma vez que a sociedade civil apresentou diversos questionamentos e, até o momento, não tem conhecimento dos documentos acrescidos ao processo. Devido, principalmente, a dificuldade de se obter essas informações de forma acessível ao entendimento da comunidade;
– que a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, por meio da Gerência de Biodiversidade Aquática e Recursos Pesqueiros, elaborou a Nota Técnica N. 060/2012, onde em suas conclusões recomenda que: “se leve em consideração nesse processo a importância ímpar dos ecossistemas de manguezal, recifes de coral costeiros e ambientes de quebra de plataforma para a manutenção da estrutura e funções do ecossistema marinho da região, além da manutenção das atividades socioeconômicas tradicionais. Também deve ser levada em consideração a ocorrência de áreas criticas para espécies marinhas ameaçadas ou vulneráveis e que o ambiente marinho da região abrange áreas classificadas como de importância “Alta” e “Extremamente Alta”. Recomenda ainda que, devido a magnitude do empreendimento, alta relevância biológica da região e a ampla manifestação da sociedade civil e acadêmica, são indicativos de que o processo de obtenção de dados ambientais, avaliação de impactos, consulta pública e obtenção de licenças deve ser conduzido com atenção especial à qualidade de todas as etapas e dos procedimentos técnicos necessários (..)”
– a sociedade civil não tem clareza da totalidade dos empreendimentos relacionados ao escoamento de minério de ferro previsto para a região e, desta forma, não tem todas as informações necessárias para avaliar o tamanho do impacto socioambiental;
– o Tribunal de Contas da União solicitou a suspensão das obras da FIOL-Ferrovia de Integração Oeste-Leste, apontando há necessidade da sinergia entre o licenciamento dos dois empreendimentos. Não há clareza em qual ponto haverá exatamente a intersecção entre a ferrovia e infraestrutura portuária pretendida;
– é necessário a disponibilização integral de todos os documentos técnicos referente a este empreendimento, de forma acessível, para que a sociedade civil possa avaliar se esse empreendimento é efetivamente a melhor alternativa para investimento público tão vultoso. Além disso, questiona-se a legitimidade do governo da Bahia em assumir a responsabilidade do licenciamento do porto público e do terminal privado da Bahia Mineração.
As entidades subscritoras deste MANIFESTO, pelos motivos expostos acima, solicitam ao IBAMA o adiamento do parecer referente ao pedido de licença prévia para o empreendimento Porto Sul e reivindica um prazo para que os documentos complementares anexados ao processo possam ser analisados pela sociedade civil. E, desta forma, manter os princípios da democracia brasileira.
GAMBÁ – Grupo Ambientalista da Bahia
Instituto Nossa Ilhéus
IFV – Instituto Floresta Viva
IPE- Instituto de Pesquisas Ecológicas
ISA – Instituto Socioambiental
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CNRBMA – Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
ECOA – Ecologia e Ação
AMECA – Associação Movimento Ecológico Carijós
SNE – Sociedade Nordestina de Ecologia
Greenpeace
RMA – Rede de ONGs da Mata Atlântica
Fundação SOS Mata Atlântica
IBJ – Instituto Baleia Jubarte
IESB – Instituto de Estudos e Pesquisa do Sul da Bahia
WWF – BRASIL
Projeto Miraserra
Ilhéus, 08 de novembro de 2012.