STF decidiu por unanimidade não validar argumentos do ex-presidente Bolsonaro
13 de junho de 2023O Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade não conhecer a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6446, movida pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro, que questionava a prevalência da Lei da Mata Atlântica sobre o Código Florestal. Na prática, a medida pleiteada pelo ex-presidente reduziria a proteção das florestas do bioma ao estender para a Mata Atlântica a anistia dada pelo Código Florestal aos desmatamentos ilegais realizados em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Com a decisão, a Lei da Mata Atlântica – que é uma lei especial mais restritiva que o Código Florestal – continua valendo em sua integridade para aplicação em todo o bioma, que é o mais devastado do Brasil.
O voto do relator, ministro Luiz Fux, “não conheceu da ação direta de inconstitucionalidade”, o que foi seguido por todos os ministros. Para Fux, a constitucionalidade dos artigos do Código Florestal já foi enfrentada anteriormente pela Corte e “não comporta mais discussão”.
A advogada Erika Bechara, doutora e mestre em Direito Ambiental, explica que o STF não julgou o mérito da ação – o pretenso conflito entre a norma geral (Código Florestal) e a norma especial (Lei da Mata Atlântica) – porque entendeu que não se trata de assunto constitucional e que, portanto, não cabe ao Supremo Tribunal se manifestar sobre essa temática.
“Ficamos felizes com o resultado, pois a decisão está em sintonia com a tese das organizações ambientalistas que entraram no processo como Amicus curiae ou ‘amigos da corte’, para fornecer informações sobre a questão”, afirma Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica. Entre essas organizações estavam, além da SOS Mata Atlântica, WWF-Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), Rede de ONGs da Mata Atlântica, Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) e Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi).
Para Marcia Hirota, presidente da Fundação, esta decisão é muito importante para a Mata Atlântica, bioma onde vive quase 70% da população brasileira e que é extremamente rico em biodiversidade e ao mesmo tempo um dos mais ameaçados do país. “A Mata Atlântica foi declarada Patrimônio Nacional na Constituição Federal de 1988 e é o único bioma que possui uma lei especial, aprovada em 2006. Desde então, vimos os desmatamentos reduzirem drasticamente, a ponto de 11 dos 17 estados atingirem o nível do desmatamento zero no período de 2013-2014, o que demonstra que é possível atingir esta meta”, diz ela.
Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica, reforça que a principal política pública para o enfrentamento do desmatamento na Mata Atlântica tem sido a sua lei especial. “Desde o processo de sua tramitação até a publicação, houve uma redução significativa no desmatamento. A redução foi do patamar de 100 mil hectares por ano entre 1985 e 2000 para o intervalo entre 20 mil e 30 mil a partir de 2001. O menor valor observado da série histórica foi em 2017-18 (11.399 hectares)”, destaca.
O ambientalista e advogado Fabio Feldmann avalia como muito importante manter a integridade desta lei, rejeitando-se questionamentos judiciais a respeito de uma legislação que tem sua aplicação pacificada. “Com isso há ganhos para toda a biodiversidade e os serviços ambientais nesse bioma de importância global”, afirma ele, que é o autor da Lei da Mata Atlântica e, além de deputado, foi também o primeiro presidente da SOS Mata Atlântica.
De acordo com Alexandre Gaio, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), a ADI “foi uma tentativa de fragilizar a Lei da Mata Atlântica”, mas a ação “não foi sequer conhecida pelo STF”. “Prevalece, portanto, o entendimento anterior do Ministério do Meio Ambiente e da Advocacia Geral da União com o fim de garantir a prevalência das disposições da Lei da Mata Atlântica, por possuírem caráter de lei especial, sobre as normas gerais do Código Florestal”, ressalta.
Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA, destaca que, com a decisão, “o STF reforça seu papel de guardião do meio ambiente e, neste caso, da Mata Atlântica, como tem ocorrido nos últimos anos na pauta socioambiental”. “Contudo, o desafio de manter a Lei da Mata Atlântica se mantém, pois o STF, por questões processuais, não julgou o mérito da ação, o que leva o debate para o STJ, onde temos confiança em manter a proteção legal do bioma mais destruído do Brasil”, diz.
A especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, considera que tem de ser comemorada a derrubada da ação proposta pelo governo Bolsonaro que pretendia implodir a Lei da Mata Atlântica. “Seria uma aberração jurídica esvaziar a força de uma lei especial, que prevalece sobre as normas gerais do Código Florestal. Ainda continuaremos a lutar contra iniciativas que pretendem impor retrocessos na Lei da Mata Atlântica, em curso no Legislativo e em outras esferas do Judiciário, mas uma batalha importante foi ganha”, avalia.
Para Rafael Gandur Giovanelli, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, “a decisão traz segurança jurídica e reforça a estabilidade das instituições”. “Mantém a força integral de uma lei que levou 14 anos para ser criada e que está em vigor há quase duas décadas. A única lei especial para um bioma brasileiro, justamente, o mais ameaçado e que precisa de maior proteção”, reforça.
Na opinião de João de Deus Medeiros, coordenador da Rede de ONGs da Mata Atlântica, a Lei da Mata Atlântica, além de especial, é uma demonstração de civilidade, criada após 5 séculos de exploração do bioma. “A decisão do STF reforça a percepção de que não é minimamente razoável entender que toda essa área convertida para outros usos seja insuficiente para acomodar o desenvolvimento do país”, afirma.
O ambientalista Mario Mantovani, uma das principais lideranças para a conquista da aprovação da Lei da Mata Atlântica, também celebrou a decisão. “A cada dia as dificuldades são superadas e temos novos alentos para seguirmos firmes na defesa e proteção do bioma. Agora precisamos dar continuidade à implementação da Lei da Mata Atlântica nos estados e municípios”, diz.