Em novembro de 2011, a empresa americana Chevron causou um grande acidente no mar brasileiro, no Campo de Frade, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. O tamanho inicial do vazamento foi estimado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) em 330 barris por dia, ou 50 litros de óleo. No entanto, imagens de satélite da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) indicaram um vazamento dez vezes maior. A extensão da mancha vista do espaço levou a um cálculo de 3,7 mil barris de óleo por dia – quantidade próxima a identificada no início do vazamento do Golfo do México (abril/ 2010), avaliado como o maior derrame acidental na história.
O episódio evidenciou a falta de governança por parte dos órgãos governamentais brasileiros, uma vez que no momento da tragédia a única fonte de informação para a sociedade era a própria empresa. O governo brasileiro não contava com suas próprias condições para chegar ao local do vazamento e avaliar seu impacto, para assim agir com rapidez e também informar, com dados precisos e transparentes, as consequências do acidente ao ambiente marinho.
Desde então, aumentou-se a pressão da sociedade para que o governo criasse o Plano Nacional de Contingência (PNC) para grandes vazamentos de petróleo. O Plano foi lançado no dia 22 de outubro deste ano – um dia após o polêmico leilão do pré-sal do Campo de Libra, no Rio de Janeiro. “Apesar de ter sido conduzido por 17 Ministérios, o Plano apresentado não expressa uma visão ampla sobre o assunto e tampouco atende às legítimas preocupações de parcelas relevantes da sociedade”, esclarece Leandra Gonçalves, bióloga e consultora da Fundação SOS Mata Atlântica.
De acordo com Leandra, o Plano não atinge o seu maior objetivo – garantir a segurança ambiental em uma das principais e mais ricas zonas costeiras do mundo, sobretudo diante de um importante empreendimento de alto risco, que é a exploração de petróleo do pré-sal. “No formato apresentado, o documento apresenta mais dúvidas do que respostas, pois não define questões primordiais, como os recursos disponíveis para enfrentar eventuais acidentes e vazamentos”.
O Decreto 8.127 de 23 de outubro, que implementa o PNC, determina que o Ministério do Meio Ambiente terá de coordenar e articular ações para facilitar e ampliar a prevenção, preparação e capacitação de resposta nacional a incidentes de poluição por óleo, o que, para Leandra, evidencia outro problema. “O mesmo Ministério é responsável por avaliar e aprovar os planos de emergências individuais das companhias petrolíferas, mas nunca teve estrutura e orçamentos suficientes para isto, tão pouco para checar, no momento de um acidente, se as empresas têm condições de desenvolver as ações propostas”, destaca.
Além de não definir orçamento, Leandra explica ainda que o Plano não determina como dará sua operacionalização e não especifica as estruturas disponíveis e os tipos de embarcações para operar em áreas profundas e distantes da costa, como as do pré-sal. “Também é questionável a divisão de responsabilidades em um eventual acidente”, enfatiza. Isto porque, segundo o PNC, há três possíveis coordenadores operacionais: a Marinha, no caso de acidentes em águas marítimas; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para águas interiores; e a Agência Nacional de Petróleo (ANP), nos casos de estruturas submarinas de perfuração e produção. “Possíveis dúvidas nesse sentido podem levar à paralisia, o que potencializa os efeitos negativos de um vazamento”, diz.
Audiência Pública na Câmara dos Deputados avalia Plano
Dia 26/11, às 14h, acontece Audiência Pública que discutirá o Plano Nacional de Contingência para grandes vazamentos de petróleo, lançado pelo governo brasileiro no dia 22 de outubro deste ano. O encontro, aberto ao público, será no Plenário 8, Anexo II, da Câmara dos Deputados, em Brasília.
A audiência foi solicitada pela Fundação SOS Mata Atlântica. Além de representantes da organização, o encontro contará também com lideranças de setores do turismo e da pesca – atividades mais afetadas caso as ações emergenciais não funcionem – como Alexandre Anderson, Presidente da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR).
Participa também do encontro o deputado Sarney Filho (PV-MA), que aprovou por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, no último dia 20, a criação de Grupo de Trabalho para acompanhar a implementação do Plano.
Confira os palestrantes confirmados para a Audiência:
– Contra Almirante Marcos Lourenço de Almeida, Subchefe de Organização e Assuntos Marítimos do Comando de Operações Navais da Marinha, representando o Ministério da Defesa e os Comandos Militares;
– Cristian Niel Berlinck, Coordenador de Emergências Ambientais do ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
– Luis Alberto de Mendonça Sabanay, Assessor de Assuntos Estratégicos e Relações Institucionais do Ministério da Pesca e Aquicultura;
– Maria Teresa Rodrigues Rezende, Técnica do Programa Brasileiro de Certificação Florestal do Inmetro – Instituto Nacional de Meteorologia;
– Flávio Ricardo Sales Ferreira, Técnico da Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro – Instituto Nacional de Meteorologia;
– Antonio Maurício Ferreira Netto, Diretor do Departamento de Revitalização e Modernização Portuária da Secretária de Políticas Portuárias da Presidência da República.
Foram também convidados:
– Casa Civil da Presidência da República;
– Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis;
– ANA – Agência Nacional de Águas;
– Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Economia ameaçada
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 70% da população brasileira vive na faixa situada a até 200 km do litoral. Os municípios da zona costeira abrigam 26,9% da população brasileira, ou 50,7 milhões. Desses, cerca de 4 milhões utilizam seus recursos naturais para sobreviver.
Dados do Ministério da Pesca apontam a existência de quase 1 milhão de pescadores no país, responsáveis pela oferta de 1,24 milhão de toneladas de pescados por ano, sendo que cerca de 45% dessa produção é da pesca artesanal.
O litoral é também um dos principais destinos turísticos do Brasil. Pesquisa realizada pelo Ministério do Turismo em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) aponta que das seis cidades brasileiras que mais receberam turistas estrangeiros em férias no Brasil em 2012, quatro são litorâneas. De acordo com o levantamento, 29,6% das pessoas que vêm a lazer ao país visitam o Rio de Janeiro. Florianópolis, em Santa Catarina, está em segundo lugar na lista, com 18,1%, seguida de Foz do Iguaçu, com 17,3%, e São Paulo, com 10%. Já Armação dos Búzios e Salvador recebem 7,9% e 6% dos forasteiros, respectivamente.
Já para o turista brasileiro, o Nordeste, famoso por suas praias, é o destino preferido para quase metade (46,9%) dos entrevistados pela pesquisa “Sondagem do Consumidor – Intenção de Viagem”, realizada em outubro deste ano pelo Ministério do Turismo e Fundação Getúlio Vagas.
Leandra observa que ainda há espaço para aprimorar a estrutura de diversas áreas econômicas que dependem do ambiente marinho, como o turismo e a pesca, mas se o meio ambiente na faixa litorânea for destruído ou seriamente danificado, os impactos negativos serão devastadores. “Não estamos negando, evidentemente, os possíveis benefícios econômicos e sociais que a exploração no pré-sal, com suas reservas de 8 a 12 bilhões de barris, pode trazer ao país. Mas os riscos apresentam proporções semelhantes, pois não é só de petróleo que vive a costa brasileira”, enfatiza.
Os 10 maiores acidentes petrolíferos da história
Nos últimos 70 anos, mais de 80 episódios de média e alta gravidade lançaram nos mares e oceanos cerca de 7,4 bilhões de litros de petróleo – o correspondente ao volume de quase 3.000 piscinas olímpicas. Os dez maiores desastres respondem por 68% desse total.
1º – Guerra do Golfo, Kuwait, Golfo Pérsico – janeiro/1991
Volume: 1 milhão e 360 mil toneladas (753 piscinas olímpicas).
O pior vazamento de petróleo da história não foi propriamente acidental, mas deliberado. Causou enormes danos à vida selvagem no Golfo Pérsico, depois que forças iraquianas abriram as válvulas de poços de petróleo e oleodutos ao se retirarem do Kuwait.
2º – Acidente do Golfo do México – abril/2010
Volume: aproximadamente 206 milhões de galões de óleo (388 piscinas olímpicas).
Este é oficialmente o maior derrame acidental na história do mundo. Tudo começou quando um poço de petróleo estourou a uma milha abaixo da superfície do Golfo, causando uma explosão na plataforma Deepwater Horizon, da British Petroleum (BP), que matou 11 pessoas. A empresa fez várias tentativas fracassadas para tapar o poço, mas o óleo fluiu – possivelmente a uma taxa tão alta quanto 2,5 milhões de litros por dia – até que o vazamento foi estancado, em 15 de julho de 2010. Matou milhares de animais, entre tartarugas, mamíferos marinhos e aves. Os efeitos a longo prazo do uso de 1,82 milhões de litros de dispersantes neste frágil ecossistema permanece desconhecido.
3º – Ixtoc I, Campeche, Golfo do México – junho/1979)
Volume: 454 mil toneladas (251 piscinas olímpicas).
A plataforma mexicana Ixtoc 1 se rompeu na Baía de Campeche, derramando cerca de 454 mil toneladas de petróleo no mar. A enorme maré negra afetou, por mais de um ano, as costas de uma área de mais de 1.600 km2 e impactou as praias do sul do Texas, reduzindo a população animal em 80% na zona de formação de ondas e 50% na zona de arrebentação.
4º – Poço de petróleo Fergana Valley, Uzbequistão – março/1992
Volume: 285 mil toneladas (158 piscinas olímpicas)
Trata-se de um dos maiores acidentes terrestres já registrados. Em março de 1992, a explosão de um poço no Vale da Fergana afetou uma das áreas mais densamente povoadas e agrícolas da Ásia Central.
5º – Atlantic Empress, Tobago, Caribe – julho/1979
Volume: 287 mil toneladas (159 piscinas olímpicas)
Durante uma tempestade tropical, dois superpetroleiros gigantescos colidiram próximos à ilha caribenha de Tobago. O acidente matou 26 membros da tripulação e despejou milhões de litros de petróleo bruto no mar.
6º – Nowruz, Irã, Golfo Pérsico – fevereiro/1983
Volume: 260 mil toneladas (144 piscinas olímpicas)
Durante a Primeira Guerra do Golfo, um tanque colidiu com a plataforma de Nowruz causando o vazamento diário de 1500 barris de petróleo.
7º – ABT Summer, Angola – maio/1991
Volume: 260 mil toneladas (144 piscinas olímpicas)
O superpetroleiro Libéria ABT Summer explodiu na costa angolana em 28 de maio de 1991 e matou cinco membros da tripulação. Milhões de litros de petróleo vazaram para o Oceano Atlântico, afetando a vida marinha.
8º Castillo de Bellver, Africa do Sul (agosto/1983)
Volume: 252 mil toneladas (139 piscinas olímpicas)
Depois de um incêndio a bordo, seguido de explosão, o navio espanhol rachou-se ao meio, liberando cerca de 200 milhões de litros do óleo na costa de Cape Town, na África do Sul. Por sorte, o vento forte evitou que a mancha alcançasse o litoral, minimizando os efeitos ambientais do desastre.
9º – Amoco Cadiz, França – março/1978
Volume: 223 mil toneladas (123 piscinas olímpicas)
Um dos piores acidentes petrolíferos do mundo aconteceu em 1978, quando o supertanque Amoco Cadiz rompeu-se ao meio perto da costa noroeste da França. O vazamento matou milhares de moluscos e ouriços do mar. Esta foi a primeira vez que imagens de aves marinhas cobertas de petróleo foram vistas pelo mundo.
10º – M T Haven, Itália – abril/1991
Volume: 144 mil toneladas (79 piscinas olímpicas)
Outro superpetroleiro, o navio gêmeo do Amoco Cadiz explodiu e naufragou próximo da costa de Gênova, matando seis tripulantes. A poluição na costa mediterrânea da Itália e da França se estendeu pelos 12 anos seguintes.