O Brasil conseguiu algo inédito nas reuniões da ONU: concluir um texto com apoio de todos os países antes da chegada dos chefes de Estado para a conferência. Líderes mundiais estarão no Riocentro nesta quarta-feira, mas o trabalho todo praticamente já foi feito pelos diplomatas. O problema é que, para obter consenso, o documento de 49 páginas acabou ficando muito fraco, sem previsão de recursos ou financiamento para fazer as mudanças necessárias para um desenvolvimento sustentável e sem metas concretas.
A crise financeira atrapalhou as negociações, como confirmou o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado: “Provocou uma retração em solidariedade e na cooperação internacional. Afetou o nível de ambição”.
O texto prevê que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável começarão agora negociados e que as metas devem sair apenas em 2015. Segundo o embaixador André Corrêa do Lago, as metas que surgirão “têm de ir além da crise atual, precisam projetar o que ocorrerá nas próximas décadas”.
A rapidez para concluir o texto surpreendeu. As negociações em reuniões da ONU sobre mudanças climáticas costumam apresentar um documento apenas no último dia. Por isso, a ministra Izabella Teixeira (Ambiente) ressaltou essa agilidade. Já o ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) disse que houve um espírito construtivo na elaboração do documento. “Considero que o espírito do Rio continua vivo 20 anos mais tarde”, afirmou. O embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado acrescentou: “O Brasil conseguiu restaurar um processo multilateral em que todos puderam ser ouvidos, sem recorrer a métodos pouco claros”.
Porém, para a comissária da União Europeia da área de clima, Connie Hedegaard, o documento traz muitas “reafirmações” e “toma notas”, mas tem poucas “decisões” e “compromissos”. Ela afirmou que o texto é fraco e que estava decepcionada. Yvo de Boer, ex-secretário executivo da Convenção do Clima da ONU, também criticou o fato de o documento ter “muitas reafirmações de fé”. “Falta o desejo de realmente fazer uma mudança radical. Hoje estamos numa situação muito mais perigosa do que há 20 anos. Temos mais com que nos preocupar do que comemorar”, disse ele.
Muitas ONGs também criticam o documento. Patriota respondeu às críticas e defendeu que a “reafirmaçāo dos princípios do Rio e o mapa do caminho para as metas de desenvolvimento sustentável são conquistas”. Ele ressaltou ainda que “o resultado não deixa de ser satisfatório, pois poderia não ter um texto”.
Fortalecimento do Pnuma
Alguns países defendiam a ideia de transformar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) em agência, nos moldes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas não foi obtido consenso sobre isso. O documento sugere que a Assembleia Geral das Nações Unidas adote uma resolução para fortalecer o órgão, que assegure ao Pnuma, por exemplo, mais recursos financeiros e que o financiamento seja estável, adequado e não dependa de contribuições voluntárias para agir. Resta saber se a assembleia acatará a recomendação. “A questāo do Pnuma nunca foi consenso. Agora, se recomenda seu ‘upgrade’, mas precisa ser mais discutido [para virar agência]”, disse a ministra Izabella.
Também não se concretizou a ideia de iniciar um acordo para a proteção de áreas marinhas além de jurisdições nacionais. O lançamento das bases para o acordo deverá ser decidida até 2015, no máximo, pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Economia verde
De acordo com o embaixador André Corrêa do Lago, a parte do texto que tratava da economia verde “foi uma luta muito grande, uma das negociações mais difíceis”. Ele contou que alguns países consideravam que existe um caminho que teria de ser seguido. Mas que se optou por deixar que cada país escolha seu caminho. “Não houve acordo sobre como é esse mundo, essa economia verde a que estamos nos referindo. Por isso, o texto não define de que maneira os países devem se desenvolver. A definição de economia verde no documento está totalmente ligada ao desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza. Então, na visão de alguns países, isso é a forma de incorporar tecnologias, novas formas de produção, mas o que fica claro é que isso é uma linha que pode ser seguida, mas há várias formas de ser uma economia verde”, afirmou ele.