Setembro é um mês especial com muitas datas comemorativas para nós, ambientalistas. O mês abre com o dia do biólogo (3), da Amazônia (5), do Cerrado (11), da árvore (21), do Tietê (22) e o início da primavera, a estação mais linda do ano. Também, é o mês em que comemoramos o aniversário da Fundação SOS Mata Atlântica (20).
Criada por um grupo de jovens aguerridos, cientistas, jornalistas, empresários e ambientalistas numa época de transformação em que tudo parecia urgente, a SOS Mata Atlântica já começou inovando logo no início, durante o processo de oficialização junto à Curadoria das Fundações do Ministério Público, porque tinha como patrimônio, gente. Uma ONG de gente, uma grande causa e muitos ideais. Uma construção coletiva desde a definição do nome. Havia um objetivo muito claro – a proteção da Mata Atlântica – mas era um conceito que não existia, uma área de abrangência que não se sabia e muito por fazer em sua defesa. O capital humano sempre foi de grande valor.
A SOS Mata Atlântica foi uma das primeiras entidades ambientalistas aqui no Brasil a profissionalizar um corpo de técnicos e especialistas para atuar em projetos de conservação e manejo dos recursos naturais, desenvolvimento sustentável, direito e políticas ambientais, gestão de áreas protegidas, fomento e restauração florestal, educação ambiental, informação, comunicação e voluntariado. Na gestão institucional, somam-se vários colaboradores nas áreas administrativa, financeira, técnica, jurídica e captação de recursos em prol do fortalecimento institucional e do Terceiro Setor na área ambiental.
O lançamento foi por meio de uma campanha para o grande público. Criada pela agência DPZ de forma voluntária, com a bandeira brasileira perdendo o verde ao som do seu hino e a mensagem “Estão tirando o verde da nossa terra”, impactou logo de cara. A campanha foi amplamente veiculada nos anos de 1987 e 1988, com apoio dos veículos de comunicação que cederam espaço em jornais, revistas, TV e rádio. A bandeira se desintegrava e virou nossa logomarca.
Ao longo desses anos, foram vários projetos, novos conceitos, metodologias, grandes parcerias e muitos resultados positivos voltados para a proteção e restauração da Mata Atlântica, à valorização de parques e reservas, para a qualidade da água e rios limpos, além da proteção do mar. Também muitas campanhas e atividades para alertar, informar, mobilizar, capacitar e engajar mais e mais pessoas para o exercício da cidadania.
Graças ao apoio de muita gente, organizações e empresas, desenvolvemos diversos projetos e parcerias longevos, como o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, realizado em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e patrocínio do Bradesco desde 1989, e o apoio às Unidades de Conservação (UCs) da Mata Atlântica, que começou na região do Vale do Ribeira/Lagamar também em 1989.
O Núcleo União Pró-Tietê surgiu em 1991 e logo depois o projeto Observando o Tietê – que se tornou Observando os Rios e é desenvolvido até hoje. As articulações, políticas públicas e aprimoramento da legislação ambiental tiveram início em 1988, com a participação e apoio de ambientalistas e diferentes especialistas, sempre atuando em redes, observatórios, comitês, alianças, fóruns, frentes parlamentares e coalizões.
Contabilizamos mais de 42 milhões de mudas de espécies nativas plantadas, que garantiram a recuperação de 23.187 hectares de floresta com nossos parceiros. Muito nos orgulha a criação do Centro de Experimentos Florestais SOS Mata Atlântica – Heineken Brasil, localizado numa antiga fazenda de café em Itu (interior de SP), onde desde 2006 ficam baseados nossos programas e toda equipe de restauração florestal.
Foram apoiados 511 parques e reservas, incluindo 12 fundos de apoio às UCs, um deles em prol da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais em parceria com a Fundação Toyota do Brasil, e as 397 Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as RPPNs, beneficiadas em grande parte no âmbito da Aliança para a Conservação da Mata Atlântica, em parceria com a Conservação Internacional.
Com 3.500 voluntários, monitoramos a qualidade da água de 308 pontos em 241 rios dos 17 estados da Mata Atlântica e Distrito Federal, atualmente com patrocínio da Ypê e apoio da Sompo Seguros. Além disso, foram muitas campanhas, cursos, eventos, ações de voluntariado, concursos, prêmios, mostras e encontros como o Viva a Mata, realizado anualmente em celebração ao Dia Nacional da Mata Atlântica, 27 de maio, desde 2005, mobilizando milhares de pessoas.
Também vale destacar a exposição itinerante A Mata Atlântica é Aqui, nosso querido caminhão adaptado, que em sete anos passou por 229 localidades e atendeu 850 mil visitantes com educação ambiental, teatro, filmes e contação de histórias.
Até aqui, percorremos muitos caminhos acidentados, com algumas perdas mas, ao mesmo tempo, grandes conquistas. Da fundação até hoje, vimos a Mata Atlântica, nossa causa maior, ser conhecida, reconhecida como Patrimônio Nacional e atingir milhares de corações de brasileiros.
A Mata Atlântica é o bioma mais ocupado do Brasil, casa de 2/3 da população incluindo as ricas culturas quilombolas, indígenas, caiçaras, ribeirinhas, dentre outros povos que vivem em 3.429 municípios. Desde a chegada dos europeus na costa baiana, em 1500, sacrificamos o verde da bandeira e o bioma se tornou o mais devastado do país.
Temos hoje em pé apenas 12,4% das florestas originais mais preservadas, cuja riqueza natural é incalculável. Somos beneficiados pelos recursos que dela provém, dependemos dos seus serviços ecossistêmicos e ambientais, pois ela protege as nascentes e cursos d’água para que tenhamos água em quantidade e qualidade para nosso consumo e para as atividades, além de ser fonte de alimento e controlar o clima.
Neste momento em que a SOS Mata Atlântica completa 34 anos, enfrentamos a pandemia do novo coronavírus e a perda de milhões de vidas no mundo, o aumento no desmatamento na Mata Atlântica e na Amazônia e queimadas incontroláveis no Pantanal. Também atravessamos uma enorme crise econômica e política, que incluem o enfraquecimento da agenda ambiental e ataques do governo federal sobre a Mata Atlântica e às ONGs, bem como propostas no Congresso Nacional que ameaçam nossos patrimônios e poderão colocar em risco as áreas protegidas e as terras indígenas.
Mas, assim como em outros momentos de crise política e econômica, a causa ambiental segue com grande potencial para aglutinar forças por um desenvolvimento mais sustentável, justo e solidário. Um exemplo é a ação capitaneada pelo Ministério Público Federal e apoiada pela Fundação SOS Mata Atlântica e Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa) contra medidas governistas que ameaçam a conservação do bioma e ações em parceria com o WWF-Brasil, Instituto Socioambiental, Rede de ONGs da Mata Atlântica, Amda e Apremavi pela integridade e cumprimento da lei especial do bioma.
Outros bons exemplos são o compromisso das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente dos estados da Mata Atlântica em prol de uma agenda positiva e a Operação Mata Atlântica em Pé, realizada pelos Ministérios Públicos estaduais em parceria com os órgãos de meio ambiente e a Polícia Ambiental em defesa do bioma.
A tragédia das mortes provocada pela pandemia de Covid-19 alerta a sociedade global de que nosso relacionamento com os ambientes naturais e a vida selvagem precisa mudar, e logo. Especialmente na União Europeia, países já se movimentam para adequar suas políticas a um mundo que precisa de renovação, de novos ritmos e modelos de desenvolvimento. Há oportunidade para que o Brasil retome sua posição de liderança na construção e na implantação de uma agenda socioambiental positiva. O isolamento reforçou nossos argumentos do quanto é importante o contato com a natureza para nossa saúde física e mental. O futuro acena.
Institucionalmente, estamos num novo momento, buscando as transformações necessárias na gestão, na produção de conhecimento, na atuação política e na mobilização da sociedade. Seguiremos focados atuando na proteção e restauração da floresta, na valorização de parques e reservas e na luta por água limpa, nossas causas prioritárias, à serviço do enfrentamento das mudanças climáticas, que é o maior desafio da humanidade.
Neste momento de celebração, enaltecemos os fundadores e agradecemos por todo apoio, dedicação e enorme colaboração aos conselheiros, funcionários, consultores, parceiros, patrocinadores, doadores, filiados, voluntários e muitos amigos de causa. Essa ONG de gente tem uma lista imensa de pessoas queridas, aguerridas e tão dedicadas que é impossível listá-las, mas não poderia deixar de mencionar o Roberto Klabin, que ficou 22 anos à frente da SOS Mata Atlântica e o atual presidente, Pedro Luiz Passos, que há 7 anos dedica ativamente nessa liderança. E, claro, toda a atual equipe. Gente que carrega a nossa bandeira no peito com bravura e alegria. Gente que leva a nossa gigantesca bandeira para as ruas nas mobilizações em defesa das nossas florestas, da vida e do nosso ambiente. Muita honra, muito orgulho!
Tal como o estudo da Universidade de Stanford que concluiu que com 34 anos se atinge o auge biológico da juventude, nos preparamos para o futuro, para as mudanças que o momento exige direcionando nossas energias em uma nova estratégia de atuação, seguindo nossa missão de inspirar a sociedade na defesa da Mata Atlântica. Vamos juntos?