Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo
* Mário Mantovani e Alexandre Gaio
Praticamente todo o Paraná está localizado no domínio do bioma Mata Atlântica, o mais devastado e ameaçado do Brasil. No Paraná, a Mata das Araucárias vem sofrendo contínuo desmatamento nas últimas décadas. Das suas matas vem a água que abastece toda a sua população e que irriga as lavouras e viabiliza a produção industrial.
Como em muitas outras regiões do Brasil, restou muito pouco da área original de florestas que aqui estavam em 1500. Temos somente 12%, quando somados os fragmentos maiores de três hectares em bom estado de conservação. Apesar do pouco que sobrou e de as vegetações nativas estarem protegidas pela Lei da Mata Atlântica, o Paraná tem ficado entre os maiores desmatadores do bioma no Brasil. Destacam-se as perdas de matas nas bacias dos rios Iguaçu, Paraná, Tibagi e Paranapanema, como registrado na Operação Nacional Mata Atlântica em Pé, liderada pelo Ministério Público do Paraná.
Com a emergência climática e para garantirmos o nosso futuro, além de acabar com o desmatamento imediatamente, é fundamental recuperar e restaurar as vegetações nativas em grande escala.
Pode haver ganhos de escala e economia de recursos, mostrando que o cumprimento da legislação, além de necessário, é possível com compromissos e ações concretas do poder público.
Temos um caminho concreto para enfrentar este desafio, pois o Código Florestal possui as regras para orientar a recuperação da vegetação nativa em imóveis rurais privados ou em fazendas e sítios. Um estudo recente de pesquisadores da SOS Mata Atlântica, Imaflora, Esalq-USP e Observatório do Código Florestal fez o raio-X da situação da implementação da lei na Mata Atlântica, detalhando os números por unidade da Federação.
Em primeiro lugar, o estudo concluiu que a fase de registro de imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não foi concluída. Há 1,2 milhão de hectares de terras do estado do Paraná que não estão registradas em nenhum cadastro público oficial e 45% delas estão ocupadas por agricultura ou pastagem. Vale recordar que quem não se cadastrou até dezembro de 2020 perde direito às regras de transição para adequação ambiental e precisará fazer a restauração integral das suas matas ciliares, por exemplo.
O estudo também mostra que há 2,5 milhões de imóveis registrados no CAR ou no Incra e que os grandes devedores de vegetação nativa em relação aos requisitos de Área de Preservação Permanente (APP) ou Reserva Legal (RL) são os grandes proprietários, que são relativamente poucos (30.849 imóveis, que representam 1,3% do total de imóveis). Porém, sozinhos, eles representam 35% de todo o déficit de APP e 51% do déficit de Reserva Legal.
As APPs são as matas ciliares que protegem as nascentes e os rios e precisam ser restauradas imediatamente para evitarmos as crises hídricas que têm ocorrido no Paraná. As RLs podem ser restauradas no imóvel ou serem compensadas em outros locais que tenham excedente de mata em relação ao exigido pela lei, desde que haja identidade ecológica.
A pesquisa também mostrou que o atraso na implementação da lei tem implicado em estímulo para desmatamentos ilegais, inclusive em imóveis que cumpriam as obrigações ambientais até o ano de 2008. Estes também vão perder todos os direitos das regras de transição.
Com o déficit de recuperação de vegetação nativa em APPs e RLs concentrado em grandes imóveis, a pesquisa mostrou que o planejamento territorial pode acelerar em grande medida a validação do CAR e a implementação da lei. Pode haver ganhos de escala e economia de recursos, mostrando que o cumprimento da legislação, além de necessário, é possível com compromissos e ações concretas do poder público.
Clique aqui e conheça o estudo mencionado
* Mário Mantovani é responsável pelo advocacy da SOS Mata Atlântica e Alexandre Gaio é promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná e coordenador da Operação Mata Atlântica em Pé