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35 anos de mobilização pela Mata Atlântica e pelo Brasil

24 de setembro de 2021

Por Pedro Luiz Barreiros Passos e Marcia Hirota*

O Brasil não é o mesmo de 35 anos atrás. Com percalços, avanços, retrocessos e muito ainda por fazer, evoluímos como país e nação. Parte destas conquistas é resultado da força e determinação da sociedade civil brasileira, berço da criação da Fundação SOS Mata Atlântica em 1986.

Um grupo de jornalistas, empresários, ambientalistas e cientistas sonhadores fundou uma das primeiras instituições ambientalistas com o propósito de proteger a ameaçada Mata Atlântica, lar da juventude que lutou pela democracia nas décadas de 1970 e 1980. O grupo escolheu o formato de uma Fundação, tendo as pessoas como o seu maior patrimônio.

Logo no início se reconheceu a importância da institucionalização e da profissionalização da organização para transformar o sonho em realidade. A mobilização e a transformação para a proteção da Mata Atlântica seriam baseadas na ciência, na produção e divulgação de conhecimento, em projetos demonstrativos no chão e na incidência em políticas públicas estruturais. Assim, em pouco tempo a Fundação foi uma das primeiras entidades ambientalistas a criar um corpo de técnicos e especialistas e a perseguir uma gestão administrativa eficiente e transparente, com independência financeira de governos, criando uma referência para uma futura geração de novas ONGs.

O lançamento público da Fundação foi por meio da primeira das muitas das nossas campanhas que entraram no cotidiano das pessoas, graças ao apoio dos veículos de comunicação. Criada pela agência DPZ, a bandeira brasileira perdeu parte do verde, a cor predominante, e ganhou a mensagem “Estão tirando o verde da nossa terra”, tornando-se a nossa marca e um símbolo permanente da proteção das florestas naturais e do meio ambiente no Brasil.

Logo em seguida, nos envolvemos na reconstrução do país, incidindo na redação da nova Constituição brasileira em 1988. Nossa grande primeira conquista foi o reconhecimento da Mata Atlântica como Patrimônio Nacional, o que pavimentou a longa jornada para a publicação da Lei da Mata Atlântica em 2006.

Em 1989 também iniciamos o pioneiro mapeamento de um bioma brasileiro, com a criação do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica. Essa longeva colaboração com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), também contando com a participação do Ibama em sua primeira edição, criou um modelo de colaboração entre sociedade civil e pesquisa pública. Desde 1991, a SOS Mata Atlântica e o INPE monitoram a cobertura vegetal nativa do bioma. Suas 16 edições até agora têm orientado a ciência e as políticas para a conservação da Mata Atlântica. Mais recentemente, em 2015, a Fundação passou a integrar uma grande rede, o Mapbiomas, participando da geração de dados sobre a dinâmica da Mata Atlântica nesta iniciativa que abrange todos os biomas brasileiros.

O apoio à criação de organizações, movimentos locais e coletivos nacionais também tem sido uma marca da nossa história, sempre reconhecendo que a mudança sistêmica será resultado de uma ação coletiva e estratégica. Assim, com poucos anos de existência, participamos da criação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento (FBOMS), que coordenou a presença da sociedade civil brasileira na ECO-92 no Rio de Janeiro. Fomentamos a criação da Rede de ONGs da Mata Atlântica, somos parte do Observatório do Clima, do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, do Observatório do Código Florestal e da Coalizão Pró-Unidades de Conservação. Alianças e trabalho conjunto têm grande valor.

No campo, nossos projetos de longo prazo foram fruto de novos conceitos, metodologias, grandes parcerias e muitos resultados positivos voltados para a proteção e restauração da Mata Atlântica, à valorização de parques e reservas, para a qualidade da água e rios limpos, além da proteção do mar.

Rio Tietê em Salto, interior de SP.
Foto: Léo Barrilari

O Núcleo União Pró-Tietê surgiu em 1991 e, logo depois, o projeto Observando o Tietê – que se transformou no Observando os Rios –, que tem mobilizado populações locais para monitorar os rios da Mata Atlântica e lutar por água limpa. O projeto já reuniu 3,5 mil voluntários monitorando a qualidade da água de 308 pontos em 241 rios dos 17 estados da Mata Atlântica e do Distrito Federal, com apoio da Ypê. Tanto nossa equipe como os representantes dos grupos voluntários têm participado de comitês de bacias hidrográficas e outras instâncias para influenciar a política nacional e local de gestão dos recursos hídricos.

Ao longo desses anos, colaboramos também com mais de 520 parques e reservas, algumas delas marinhas, incluindo 12 fundos de apoio às Unidades de Conservação públicas na Mata Atlântica – como a Área de Proteção Ambiental da Costa dos Corais, com apoio da Fundação Toyota do Brasil, que completa 10 anos. Também atuamos ativamente na criação e fortalecimento de mais de 400 Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as RPPNs, beneficiadas em grande parte no âmbito da Aliança para a Conservação da Mata Atlântica, em parceria com a Conservação Internacional e outros apoiadores.

Mudas no Centro de Experimentos Florestais – HEINEKEN Brasil, em Itu (SP).

Contabilizamos cerca de 42 milhões de mudas de espécies nativas plantadas com nossos parceiros, que garantiram a recuperação de 23.187 hectares de florestas. Muito nos orgulha a criação do Centro de Experimentos Florestais SOS Mata Atlântica – Heineken Brasil, localizado numa antiga fazenda de café em Itu (interior de SP), onde desde 2006 ficam baseados nossos programas de restauração florestal, viveiro de mudas nativas e toda equipe dessa área. Bradesco, Ypê, AES Brasil, Sem Parar, Nespresso, Nescafé/Nestlé, Santuário de Aparecida e outras empresas, empreendedores e proprietários de terras têm sido grandes parceiros nessa agenda.

Celebramos anualmente a vida da Mata Atlântica, suas árvores, animais, rios e povos no grande encontro “Viva a Mata”, que é resultado do suor e paixão da nossa equipe, parceiros, voluntários e muitos apoiadores. E com nossa mostra itinerante montada num caminhão percorremos a Mata Atlântica de norte a sul e leste a oeste, numa troca e sempre aprendendo com os muitos sotaques, aromas, cores e cultura deste bioma continental, que abriga 70% da população brasileira.

Nosso aniversário de 35 anos é um momento de celebração, agradecimento e reflexão. Agradecemos a todas as pessoas e organizações que acreditaram, apoiaram e se envolveram com o nosso sonho de um país democrático, na proteção do meio ambiente do Brasil e na conservação da Mata Atlântica. Uma lista extensa de pessoas que passaram e participaram do nosso Conselho, da nossa equipe, voluntários, parceiros, organizações, financiadores e patrocinadores, empresários, ambientalistas, cientistas, promotores, jornalistas, gestores públicos e parlamentares que confiaram na SOS Mata Atlântica. Todas e todos são parte da nossa história, merecem o nosso profundo e sincero reconhecimento e enorme agradecimento.

Apesar de uma linda história e enormes conquistas para comemorar, o Brasil e a Mata Atlântica se encontram em uma encruzilhada. Muitas das nossas conquistas alcançadas com muita luta estão ameaçadas.

Nosso último manifesto deixa claro que seguiremos firmes na defesa da democracia e na reconstrução do que foi atacado. Seguiremos reabrindo diálogos, resistindo aos retrocessos, reunindo parceiros, renovando sonhos, restaurando as matas, revivendo as nascentes, revitalizando os parques e reafirmando a nossa missão de inspirar a sociedade na defesa da Mata Atlântica.

Mesmo no período sombrio e preocupante que vivemos, nossa visão de longo prazo é muito otimista. Temos a oportunidade e a necessidade de acabar definitivamente com o desmatamento de todas as florestas nativas do Brasil e de recuperá-las em grande escala e alta velocidade. No plano internacional e multilateral iniciamos a Década da Restauração de Ecossistemas da ONU, além de outras iniciativas que envolvem governos, empresas e sociedade civil para a restauração florestal em escala global. Na mesma direção apontam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Acordo de Paris e a Convenção da Biodiversidade.

A emergência climática planetária e os seus efeitos locais, com a crise hídrica e o risco de apagão energético nos colocam uma oportunidade, necessidade e responsabilidade. Se precisamos acabar imediatamente com o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa da devastação da Amazônia, a restauração da Mata Atlântica pode sequestrar uma grande quantidade de gás carbônico da atmosfera e dar a sua contribuição para a mitigação do aquecimento global.

Foto: Claudio Martins Ferreira

A proteção e a restauração também são fundamentais para nos adaptarmos a um planeta mais quente, com clima instável e com extremos cada vez mais intensos e frequentes. A recuperação em grande escala da Mata Atlântica é importante e necessária para garantirmos a segurança hídrica, energética e alimentar da maior parte da população e economia do Brasil e para conservarmos uma das biodiversidades mais ricas e ameaçadas do planeta.

Nunca tivemos tanta informação e conhecimento para esta nova fase de recuperação das nossas matas e biomas. Grande parte da governança também está estabelecida com a Lei da Mata Atlântica, o Código Florestal, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Sistema Nacional de Meio Ambiente, entre muitas outras políticas nacionais, estaduais e municipais que ajudamos a construir e implementar nestes 35 anos.

Para darmos um novo grande salto, será necessário mais ação e inovação. Precisamos da rigorosa aplicação das nossas leis e dar mais valor às florestas que temos para encerrar o seu ciclo de destruição definitivamente. E a regeneração e a restauração florestal devem gerar emprego, renda e riqueza comparável com outros usos da terra e atividades econômicas.

Precisamos criar a cultura, os negócios e as cadeias produtivas da bioeconomia, com o uso econômico da biodiversidade. A silvicultura de espécies nativas, o mercado de carbono, a agricultura de baixo carbono e regenerativa são apenas exemplos das possibilidades concretas que podem reverter drasticamente a trajetória das nossas florestas, gerando bem-estar e riqueza para o país. E, para a sociedade, precisamos de mais áreas verdes, maior contato com a natureza e promoção do turismo em parques, criando oportunidades e fontes de geração de trabalho e renda e uma vida mais sadia e mais qualidade de vida para nós.

Com inteligência, iniciativa, investimento, diálogo e vontade política, tudo isto está ao nosso alcance a partir de uma ação coletiva. Sem ingenuidade, mas com ambição, perseverança e resiliência, seguiremos mobilizando a sociedade brasileira para a retomada do nosso sonho. Este é o compromisso da Fundação SOS Mata Atlântica.

* Pedro Luiz Barreiros Passos e Marcia Hirota são, respectivamente, presidente do Conselho Administrativo e diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.

 

 

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