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Como cultivar alimentos para curar o planeta

A visão de dois empreendedores sociais, a partir do Brasil e da Holanda

29 de novembro de 2021

Confira abaixo a entrevista de Luís Fernando Guedes, diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica a Corina Murafa, a Forbes. Acesse aqui o conteúdo original. 

 

Corina Murafa, uma das líderes globais da Ashoka na ação Next Now: Planeta e Clima, conversou com o brasileiro Luís Fernando Guedes, diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica, que liderou a criação de um sistema global de certificação agrícola e sua aplicação no Brasil, e o holandês Geert van de Veer, fundador da Herenboeren, um movimento cooperativo impulsionado por tecnologias de produção que buscam por sustentação ambiental, social e econômica em seu país. A Ashoka é um organismo global que reúne 3.800 empreendedores sociais líderes em seus países de origem. A reportagem foi publicada originalmente na Forbes EUA. Confira agora na Forbes Agro:

O advento da agricultura em escala industrial significou que estamos produzindo mais alimentos do que nunca. Mas agora enfrentamos grandes ameaças ao futuro e à saúde das pessoas e do planeta, muitas delas decorrentes desses métodos de produção. Felizmente, os empreendedores sociais estão encontrando um caminho a seguir. Por exemplo, na Holanda, Geert van de Veer fundou o Herenboeren, um movimento cooperativo para reconectar as pessoas com as fazendas que as alimentam.

No Brasil, Luís Fernando Guedes está trabalhando em novas políticas e na educação de pessoas e obtenção de recursos para a conservação da Mata Atlântica. Ambos trabalham com o conceito de empoderar os produtores, ajudando na implantação de uma estrutura de tomada de decisão que valoriza a saúde sustentada em detrimento da produção de curto prazo. Corina Murafa, que acompanha cerca de 600 soluções de empreendedores sociais da Ashoka, acredita na cura da terra e do planeta.

 

Corina Murafa: Luís, em poucas palavras, como você vê o momento?
Luís Fernando Guedes: Os sistemas alimentares estão, globalmente, em uma encruzilhada. Por causa da Revolução Verde, tivemos grandes aumentos na produção de alimentos. Mas resultou em consequências ambientais e sociais negativas. Vimos perda de biodiversidade. Poluição da água e do solo. Emissão de gases de efeito estufa. Desmatamento. Desigualdades sociais. O resultado desse paradigma atual é a produção insustentável, doenças devido a alimentos industrializados processados ​​e insalubres e mudanças dramáticas no uso da terra, com plantações substituindo os ecossistemas nativos.

 

Murafa: Como é o caminho à frente?
Guedes: Vejo alguns caminhos que podemos seguir: 1) Manter o sistema atual, mas melhorar a Revolução Verde incorporando novas tecnologias, como algoritmos e robôs. Isso resultaria em um sistema agrícola mais controlado; 2) Reconectar a produção de alimentos com a natureza, passando do paradigma industrial atual para um biológico que regenera o meio ambiente e fornece serviços ecossistêmicos. E com os pequenos agricultores liderando o caminho, aumentamos a equidade. 3) O terceiro é o alimento “artificial”, que rompe totalmente a conexão entre a produção de alimentos e a natureza. Os alimentos seriam produzidos em fábricas, sem terra. Qual será a consequência? Ainda não sabemos — terá um impacto na saúde e na indústria, pois concentramos ainda mais a produção de alimentos nas mãos de alguns grandes jogadores. Ou voltamos a produção de alimentos para um processo biológico que regenera a natureza, em vez de um processo industrial que destrói a natureza. A agricultura pode nos ajudar a preservar os sistemas ambientais e a produção de alimentos. É nisso que estamos trabalhando no Brasil. Portanto, alguns caminhos causarão danos, enquanto alguns são regenerativos.

 

Murafa: Geert, você também está seguindo aquele segundo caminho para regenerar a natureza. Conte-nos sobre seu trabalho e impacto na Holanda.
Geert van de Veer: Nosso país é pequeno, mas também somos o segundo maior exportador agrícola do mundo [nota ForbesAgro: o país utiliza altíssima tecnologia nos seus cultivos, como batatas, cebolas legumes, além de importar commodities, industrializar e vender para todo o mundo]. No entanto, no momento, estamos abusando de nosso solo, sem mencionar a perda de biodiversidade, o desperdício de água, etc. Mas os agricultores estão presos no sistema, com pouca escolha para sair. E se os consumidores pudessem ajudá-los? Nosso exemplo ilustra como isso pode acontecer: projetamos uma fazenda familiar que pertence conjuntamente a 200 famílias, o que significa 500 pessoas se alimentando diretamente de uma fazenda. O resultado é uma fazenda diversificada que produz frutas, vegetais, carne, ovos e muito mais — o espectro completo. Temos 10 fazendas operacionais nesse modelo e estamos abrindo de 4 a 6 novas fazendas a cada ano. Temos 40 fazendas em desenvolvimento neste momento, incluindo um total de 10.000 famílias que estão investindo em sua própria fazenda.

 

Murafa: E além do rendimento das safras e assim por diante, você vê uma mudança de mentalidade?
Van de Veer: Muito. Reconectar-se com sua produção de alimentos significa se tornar mais consciente dos problemas e soluções ambientais e sociais e do papel que podemos desempenhar. As pessoas que fazem parte das cooperativas estão despertando para ideias sobre “Como eu faço?,” “Estou fazendo a coisa certa?” Eles nos dizem que mudaram de sistema porque se reconectaram com a produção de alimentos.

 

Murafa: Você está descrevendo um modelo alternativo, uma cooperativa. Qual é o papel do lucro nas cooperativas?
Van deVeer: Quando projetamos essa estrutura, queríamos um sistema sem saídas. Se os acionistas puderem vender suas ações, o dinheiro será o principal impulsionador, com os valores vindo em segundo lugar. E queríamos ter certeza de que os valores estariam em primeiro lugar, valores para a biodiversidade, saúde ambiental e bem-estar humano. Tentamos trabalhar com a natureza em vez de contra ela. Olhamos para o nosso trabalho como uma árvore — nenhuma árvore cresce por toda a eternidade. Uma árvore madura cresce espalhando-se e replicando-se. Quando estamos projetando sistemas econômicos, tentamos pensar da mesma maneira. Você pode ser grande sendo pequeno e evoluindo o tempo todo.

 

Murafa: Voltando ao Brasil, Luís, muitos pequenos agricultores estão sendo deixados para trás. Como você propõe trazê-los de volta ao setor?
Guedes: A raiz da desigualdade é a terra. Historicamente, a propriedade da terra está muito concentrada entre os ricos do Brasil. Para quebrar essa desigualdade, os sistemas alimentares podem fazer uma enorme diferença. Se fortalecermos modelos como o Herenboeren, que ajuda os pequenos agricultores e os povos indígenas a participar da produção de alimentos, eles terão mais poder. Para os milhões de pequenos agricultores que têm terra, mas não têm acesso à tecnologia, pesquisa, educação, sementes, sistemas de produção — precisamos de soluções e as políticas públicas têm um papel central.

 

Murafa: Muitas grandes empresas de alimentos e agricultores empresariais argumentam que a agricultura em grande escala é a única maneira de as pessoas se alimentarem. Como você desafia esses argumentos?
Guedes: Precisamos pensar de forma diferente sobre como medimos eficiência e custo. Se levarmos em consideração os custos ambientais e de saúde a jusante, percebemos que a produção em escala industrial não é tão eficiente quanto parece — nem um pouco, na verdade. Precisamos ampliar nossa perspectiva para que possamos ver que nosso sistema atual está causando danos reais — e que temos alternativas: muitas soluções, como as duas que discutimos hoje, mostram que é possível ter lucro, saúde, alimentação saudável e produção sustentável, e funciona.

 

Corina Murafa é colaboradora da Forbes EUA. Antes de ingressar na Ashoka, trabalhou para o Banco Mundial, OMV Petrom e Deloitte, além de governos e instituições privadas.

 

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