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E aí, Brasil, vamos encarar os oceanos de frente?

2 de dezembro de 2016

Artigo de Marcia Hirota, Camila Keiko Takahashi, Diego Igawa Martinez e Leandra Gonçalves*, originalmente publicado em O Eco.

O Brasil não pode perder o compasso da história e deve se unir ao grupo de países que tem tomado a frente na criação de Unidades de Conservação (UCs) marinhas como uma ferramenta efetiva para ordenamento territorial, manutenção dos serviços ambientais, conservação da biodiversidade e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

Entre os exemplos recentes, a Grã-Bretanha anunciou uma meta ambiciosa de criação de 4 milhões de km² de proteção de oceanos. Outro país a tomar medidas concretas para a proteção dos oceanos foi o Chile, com a criação da reserva Nazca-Desventuradas, com 297.000 km², em 2015. Destaque também para o Palau, que através de seu presidente, H.E. Tommy E. Remengesau, na conferência da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), anunciou a criação de uma das maiores áreas marinhas protegidas do mundo: Palau National Marine Sanctuary. O presidente propôs ainda uma moção à UICN de uma meta de proteção integral de ao menos 30% dos oceanos no mundo.

Já os Estados Unidos criaram nos últimos meses duas importantes áreas protegidas. A primeira foi o Monumento Nacional Marinho Papahānaumokuākea, no Havaí. Com 1.2 milhão de km², cobre quase todas as ilhas e atóis do nordeste do arquipélago e é a maior área protegida do planeta. No dia 15 de setembro, o presidente Barack Obama criou também o primeiro Monumento Nacional Marinho Americano no Oceano Atlântico, a sudoeste de Cape Cod, no estado de Massachusetts.

Tais ações correspondem ao discurso do governo americano. John Kerry, Secretário de Estado dos EUA, abriu a conferência Our Ocean 2016 afirmando que “salvar nossos oceanos não é uma opção, mas uma absoluta necessidade”. No mesmo evento, o Brasil não se comprometeu com nenhuma agenda.

Mesmo com seu vasto litoral de 8.500 mil km e o crescimento progressivo e intenso das ameaças ao ambiente costeiro e marinho, o Brasil não vem cumprindo nem ao menos as Metas de Aichi, ratificadas pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), que estabelece em sua meta 11 o compromisso de proteger 10% das áreas marinhas por meio de UCs até 2020.

Para se ter uma ideia do quanto ainda tem a ser feito no país, apenas 1,54% do território marinho encontra-se protegido por UCs e deste total apenas 0,14% correspondem a categorias de proteção integral, como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, que foi criado em 1983 e tornou-se o primeiro Parque Marinho brasileiro.

Mas esperanças não faltam para o aumento do território marinho protegido no Brasil. Em outubro, no evento de lançamento do documentário Banco dos Abrolhos: maior complexo coralíneo do Atlântico Sul, produzido pela Rede Abrolhos, o Ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho se comprometeu a dar início à ampliação da área de proteção do Banco dos Abrolhos.

Segundo o documentário, a região é composta por diversos mega-habitats, formações coralíneas variadas e alta biodiversidade. Além disso, a área garante o sustento de aproximadamente 30 mil pescadores.

O documentário sintetiza brilhantemente os 15 anos do trabalho da equipe da Rede Abrolhos, que descreve, caracteriza e monitora o Banco dos Abrolhos, uma área de 46.000 km2 da plataforma continental brasileira. Estimativas conservadoras indicam que 19% dos recifes coralíneos já se perderam e que, em 40 anos, mais 35% desaparecerão. No filme, é possível perceber quão complexos são os recifes de Abrolhos, quais são as principais ameaças e as alternativas para minimizar os impactos e priorizar as ações de conservação.

Uma das medidas em discussão é a ampliação da proteção para a região do Arquipélago dos Abrolhos e a cadeia de Vitória e Trindade. Um extenso território que há muito tempo é considerado como área de altíssima relevância e prioridade para conservação, porém, segue sem o devido respaldo legal para sua proteção. Nesse sentido, vários estudos científicos foram realizados e mobilização social a favor dessa ampliação já existe há anos. Porém, faz-se necessário construir um processo participativo, com o envolvimento dos diversos atores e com base na melhor informação científica disponível. Tal iniciativa pode ser o primeiro passo para o Brasil se alinhar aos demais países mundiais que têm ampliado suas áreas marinhas protegidas, provando que compreendem a importância dessas áreas, e demonstrar que se importa com o que temos debaixo de nossa grande imensidão azul.

Agora é a vez do Brasil olhar para o cenário doméstico. O Arquipélago dos Abrolhos, Cadeia Vitória e Trindade são boas referências, pois ali coexistem todos os elementos necessários e suficientes para merecer um status especial de proteção e, com isso, se alinhar às demais nações que encaram os oceanos de frente.

Há 10 anos, a Fundação SOS Mata Atlântica vem atuando com seus parceiros em prol do fortalecimento da agenda marinha, contribuindo para que novas UCs sejam criadas e implementadas e apoiando diretamente o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e outros órgãos públicos na gestão dessas unidades.  Além das esferas federal e estaduais, esta é também uma boa oportunidade para avançarmos nesse tema no âmbito local, contando com o engajamento dos novos governantes dos 301 municípios costeiros sob influência do bioma Mata Atlântica.

*Marcia Hirota é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica. Camila Keiko Takahashi, Diego Igawa Martinez e Leandra Gonçalves são biólogos da área de Mar da Fundação. A SOS Mata Atlântica é uma ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie.

 

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