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Estamos preparados para os desafios da água e do clima nas cidades?

13 de julho de 2015

Artigo de Malu Ribeiro*Às vésperas da Conferência Mundial do Clima (COP 21), o tema deixa de ser interesse de cientistas, ambientalistas, governos e setores econômicos.  Está agora no centro das preocupações do Papa Francisco que, por meio da nova encíclica, chama a atenção da humanidade para a urgente necessidade de “mudarmos o rumo”, assumindo responsabilidade e compromisso com o Planeta.  A manifestação do Pontífice poderá promover grande impacto social e ajudar a pressionar Governos na tomada de decisões concretas. Mas o mais importante é a forma direta e simples com que pode atingir cidadãos comuns, em todo o mundo, convocando-nos a efetivas mudanças de comportamento.

Embora os impactos do clima sejam sentidos no dia a dia por qualquer cidadão, quer seja por meio do preço da energia elétrica ou do cafezinho, e até mesmo na escolha da roupa que vamos usar para enfrentar, no mesmo dia, rápidas variações de temperatura, os grandes tratados internacionais e as mudanças nas legislações parecem cada vez mais distantes da realidade e dos problemas da sociedade.

A crise hídrica que afeta as regiões Sudeste e Nordeste levaram gestores públicos do setor de abastecimento e energia elétrica a recorrerem ao “volume morto” dos reservatórios. O esgotamento desses grandes reservatórios e da vazão de rios como o São Francisco, Paraíba do Sul e Piracicaba – que abrange o Sistema Cantareira – revelou o desmatamento da Mata Atlântica como uma das causas da falta d´água. Em recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o Ministro Luiz Fux reconheceu essa relação e oficiou aos governadores dos Estados afetados pela crise hídrica para que estabeleçam metas de conservação e recuperação da vegetação nativa, maiores que o estabelecido no novo Código Florestal brasileiro.

Essa decisão inédita do STJ deverá fomentar ações e programas de restauração florestal, voltados à recuperação de bacias hidrográficas. O Sistema Cantareira, que era responsável por 70% do abastecimento de água da cidade de São Paulo e de parte da região metropolitana de Campinas, deverá se manter no volume morto até o final deste ano. Com a insuficiente cobertura florestal, restrita a 21,5% da bacia hidrográfica, e a contínua captação, ainda que em volumes mínimos possíveis, o manancial tem pouca condição de recuperação em curto prazo.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) afirma que será preciso reduzir a vazão na barragem de Sobradinho, no Rio São Francisco, para evitar que o reservatório chegue a zero, até o mês de setembro. A região de cabeceira e das nascentes do São Francisco tem alto índice de desmatamento na porção mineira da bacia. Estudo do Banco Mundial aponta que a variabilidade das chuvas e a intensidade das secas no Nordeste deverão aumentar até 2050, com graves efeitos para a população, caso os governos locais não invistam em infraestrutura e gestão hídrica.

Como o acesso a água em qualidade e quantidade é um Direito Humano e a Constituição brasileira estabelece que o uso prioritário da água é o abastecimento público, setores produtivos e de alimento tiveram suas atividades comprometidas e, em alguns casos outorgas foram suspensas temporariamente para garantir o abastecimento humano e de animais. E a falta d´água acabou provocando um efeito dominó nos setores produtivos. A crise no abastecimento levou cidadãos às ruas e Estados, municípios e empresas aos tribunais de justiça por conta de modelos de concessão de serviços de saneamento, por tarifas ou por danos e responsabilidades.

A falta d’água e de planejamento estratégico colocou em cheque os instrumentos de gestão e governança em vigor no país, que se mostraram insuficientes para enfrentamento dos impactos do clima.  Somente neste ano de 2015, mais de 1442 municípios decretaram calamidade pública em virtude da seca, com enorme impacto social, ambiental e econômico. Ao mesmo tempo em que as enchentes na região norte evidenciam o contraste e a amplitude dos eventos climáticos em um país com diferentes biomas e realidades sociais como o nosso.  Portanto, podemos afirmar que a água é o recurso natural que melhor expressa às mudanças do clima.

A exclusão hídrica nas grandes cidades da região Sudeste é ainda mais perversa, pois a indisponibilidade de água é decorrente da poluição dos rios, da degradação dos mananciais e do desperdício. A má gestão do solo e a falta de investimentos em saneamento básico afetam milhões de pessoas nas áreas urbanas, potencializam os contrastes sociais e os problemas de saúde pública.

Na região metropolitana de São Paulo, mais de 2 milhões de pessoas vivem de forma irregular em áreas de manancial. A pressão por moradia sobre áreas frágeis leva setores a buscarem mudanças na legislação de uso e ocupação do solo, com o intuito de flexibilizar a proteção de áreas verdes para construção de equipamentos e moradia sociais.  Embora os municípios tenham assumido compromissos e estratégias de resiliência, os mesmos não estão sendo utilizados para balizar revisões em planos diretores e nas leis de zoneamento.

O efeito cascata dos retrocessos na Legislação Ambiental brasileira, desde o novo Código Florestal, que diminuiu a faixa de mata nativa, responsável pela proteção de rios e nascentes, para regularizar atividades e usos do solo em áreas de risco,  potencializa os impactos do clima, em especial, nas áreas urbanas, para as comunidades mais carentes, além das ameaças às regiões estratégicas para conservação da água, recarga de aquíferos e manutenção de nascentes.

Para que nossas cidades possam ser menos vulneráveis aos impactos do clima, precisamos traduzir para os cidadãos o que significa resiliência e colocar a proteção das florestas, da água e dos recursos naturais na agenda estratégica do país.

*Malu Ribeiro é coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação.

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