Ministro defendeu o envolvimento do poder judiciário em pautas ambientais e climáticas
17 de novembro de 2022Afra Balazina, de Sharm El-Sheik*
Durante a COP 27, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu e explicou a necessidade de intervenção do Judiciário em matérias ambientais e climáticas e porque ela tem se ampliado no mundo todo e também no Brasil.
Em evento no Brazil Climate Action Hub, Barroso ressaltou que os objetivos do Acordo de Paris não vêm sendo cumpridos de maneira satisfatória e que os “prazos fatais” já estão se aproximando. “E alguns governos negligenciam inteiramente a questão ambiental, como temos visto em diferentes partes do mundo. Esses fatores levaram o Judiciário a mudar de atitude. Em vez de tratar a questão como política, passou a tratá-la como ação jurídica. Todas as ações propostas até certo tempo atrás eram extintas sob o fundamento de que essa era uma questão política e de que não havia legitimação ativa propondo essas ações. E agora em todo o mundo o Judiciário começa a atuar”, afirmou.
Segundo ele, “a política tem muitas circunstâncias de curto prazo”. “E, na verdade, os impactos ambientais que são causados hoje só vão produzir verdadeiramente suas consequências daqui a 25/30 anos, na próxima geração. A política majoritária não tem os incentivos para a atuação ambiental e atuação na mudança climática. E por essa razão o Judiciário e os tribunais, que não precisam se mover pelos objetivos de curto prazo e que muitas vezes pautam a política, é que têm que atuar nessa matéria”, disse.
O ministro reforçou que no Brasil, nos últimos anos, muitas políticas governamentais foram na direção contrária ao que determina a Constituição e ao que determina os tratados internacionais. “E esse não é um juízo de valor, mas um juízo de fato. Houve inclusive, um desmonte das agências ambientais responsáveis pela proteção ambiental e pela proteção das comunidades indígenas. De modo que, ao longo dos últimos quatro anos, houve uma expansão progressiva do desmatamento na Amazônia, por exemplo. Em 2012 eram 4 mil km² por ano e nós estamos chegando em 2022 a um desmatamento de 15 mil km² no ano”, afirmou.
Ele lembrou que a Constituição brasileira dispõe de artigo, que é o 225, que diz que a proteção ambiental é um direito fundamental do cidadão e um dever do Estado.
>> Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
“A questão climática, a proteção dos biomas e as medidas de enfrentamento das mudanças climáticas não são questões puramente políticas. É claro que há decisões políticas envolvidas. Mas, no caso de políticas públicas inexistentes ou manifestamente insuficientes ou deficientes, a Constituição não só autoriza como determina a ação do Judiciário em nome da proteção ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente protegido e ao dever que ela impõe à ação do Estado”, esclareceu.
Clima e direitos humanos
Segundo Barroso, o STF estabeleceu, em decisão sobre o Fundo Clima, a premissa de que o Acordo de Paris é uma modalidade de tratado de direitos humanos. “O que no Brasil tem um significado jurídico muito importante porque ser um tratado de direitos humanos coloca essa deliberação internacional acima da legislação interna e acima das decisões administrativas do poder Executivo. Portanto, ainda quando não se possa exigir com base no tratado algum eventual comportamento, é possível invalidar os comportamentos que contrariam o tratado, porque esta foi uma obrigação internacional assumida pelo Brasil”, explicou.
Além disso, segundo ele, no Brasil a legislação incorporou as obrigações do tratado, de modo que os compromissos que assumiu internacionalmente se tornaram legislação interna. “Então seu descumprimento é um descumprimento da lei e o papel de um tribunal é fazer cumprir as leis quando elas eventualmente sejam descumpridas. Não é uma opção política cumprir ou não cumprir, é um dever político fazer com que as reduções das emissões sejam efetivadas, mas no Brasil estava acontecendo o contrário. O país se comprometeu a reduzir o desmatamento até o final deste ano a 4 mil km2 e estamos com mais que o triplo disso. Dizer que o Judiciário não tem nenhum papel nessa matéria é dizer que a Constituição não vale, e acho que evidentemente ninguém acha isso”, concluiu.