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É fundamental engajar a sociedade nos esforços de conservação

5 de fevereiro de 2018

Por Marcelo Bolzan 

Era 31 de janeiro de 1990 quando o então presidente José Sarney assinou o decreto que criou a figura das Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as RPPNs. Foi um ato protocolar, sem cerimônias, registrado apenas na memória das poucas pessoas que acompanharam a assinatura. Entre elas, Sonia Wiedmann, à época procuradora federal do Ibama, cuja trajetória se mistura a própria história das RPPNs no país.

“A criação das reservas particulares não foi uma invenção nossa no Ibama. Era um anseio de muitos proprietários rurais interessados em conservar a fauna e flora de suas áreas privadas, mas que careciam de um mecanismo e uma regulamentação específica. O decreto foi um marco que desencadeou um período de ouro para a criação de RPPNs”, conta Sonia, personagem central e uma das maiores referências no assunto.

Desde então, a proteção de ambientes naturais em áreas particulares se tornou uma das principais estratégias de conservação da biodiversidade, sobretudo na Mata Atlântica, bioma altamente fragmentado e no qual mais de 80% dos remanescentes florestais estão em mãos de particulares. Das mais de 1.450 RPPNs brasileiras, 54% estão na Mata Atlântica e protegem 142 mil hectares, em 14 estados.

No último dia 31 de janeiro, 28 anos depois do decreto inaugural, comemorou-se pela primeira vez o Dia Nacional das RPPNs. A data foi marcada por eventos, lançamentos de publicações e contou também com a criação de novas reservas.

Nessa entrevista, Sonia Wiedmann faz um balanço desses 28 anos de RPPNs, aponta a necessidade de maior engajamento do poder público e setor privado nessa agenda e comenta projeto de lei que visa corrigir um erro histórico no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

SOS Mata Atlântica – As mais de 1.450 RPPNs criadas nesses 28 anos são um cenário satisfatório, a ser comemorado?

Sonia Wiedmann – Quando começamos, em 1990, a ideia era que as RPPNs só fossem reconhecidas pelo poder público federal. Quando os estados perceberam que eles tinham a competência concorrente legislativa para fazer RPPNs, tivemos uma ampliação do programa. Assim, mesmo antes de 2000, quando essas reservas se tornaram Unidades de Conservação previstas no SNUC, muitos estados já estavam no processo, como Paraná e Minas Gerais, que foram pioneiros. Então, se olharmos para todo o cenário, quanto ao número de RPPNs, representatividade dos biomas e as áreas conservadas, estamos bem. Mas tenho a impressão de que se fôssemos um movimento mais unido, com mais força e publicidade, teríamos ao menos o triplo das reservas de hoje.

SOS Mata Atlântica – Há uma estagnação no ritmo de criação de RPPNs?

Sonia Wiedmann – Nos últimos anos os órgãos ambientais públicos foram enfraquecidos. Se olharmos para o processo de criação de Unidades de Conservação públicas, há também uma paralisação. Quando começamos esse processo, nos anos 90, tinhamos um núcleo de RPPN no governo federal, que trabalhava diretamente com a divulgação do mecanismo, envolvimento com os proprietários, vistorias, entre outras ações. Assim, tudo era facilitado, pois havia um acompanhamento constante. Isso não existe mais. Não temos mais essa dinâmica no governo federal. Acredito que com a retomada desse núcleo ia se repetir o que aconteceu nos anos 90 e 2000, um boom de criação de RPPNs.

SOS Mata Atlântica – O poder público deveria valorizar mais as reservas privadas?

Sonia Wiedmann – Não é uma questão de valorização, é uma questão de alcance. Eles têm dificuldade até no gerenciamento das próprias UCs públicas, pois o recurso não é suficiente, o pessoal não é suficiente. Então, acreditam que seria um esforço a mais. Mas temos que entender que é um paralelo, um esforço complementar. As Unidades de Conservação privadas têm uma função importante na proteção do entorno das unidades públicas, nas zonas de amortecimento e na criação de corredores ecológicos. São ainda uma estratégia fundamental de conservação nos biomas mais fragmentados, onde é difícil se criar grandes unidades.

RPPN

SOS Mata Atlântica – Para marcar o Dia Nacional das RPPNs, a Fundação lançou um guia para reconhecimento de reservas privadas municipais. Qual é o papel dos municípios nessa agenda?

Sonia Wiedmann – É muito importante que as prefeituras municipais, através da sua câmara de vereadores, façam as suas normas municipais de criação de RPPNs. Há no Brasil municípios com perímetros enormes, com áreas florestadas intocadas e extremamente importantes. Há um potencial imenso para a conservação.

SOS Mata Atlântica – Mais de 70% das RPPNs são criadas por iniciativa de pessoas físicas. Qual o papel do setor privado, já que são proprietários de grandes áreas?

Sonia Wiedmann – Seria muito importante um maior engajamento das empresas. Elas não só têm áreas muito representativas, como têm maior facilidade de manejo e fiscalização dessas áreas. Mas é preciso ter atenção. Minas Gerais, por exemplo, aceita a criação de RPPN para compensação ambiental, o que sou radicalmente contra. A RPPN não é moeda de troca, ela é uma manifestação de vontade espontânea do proprietário e não pode ser uma obrigação. O que temos visto em Minas são RPPNs criadas por empresas mineradoras como resultado de compensação ambiental e que depois são abandonadas. Isso realmente não atende à filosofia que norteou a criação das RPPNs. Já as empresas que criam reservas voluntariamente e as manejam de maneira adequada serão sempre muito bem-vindas.

SOS Mata Atlântica – Tramita no congresso um projeto de lei (PL 1548/2015) relacionado às RPPNs. Qual a proposta?

Sonia Wiedmann – Esse projeto de lei é um sonho nosso. Quando estávamos fazendo o SNUC e as RPPNs fizeram parte do rol de Unidades de Conservação, houve uma luta muito grande de alguns setores para permitir extrativismo nessas reservas. Na época isso nos assustou, pois iria desvirtuar completamente a ideia das RPPNs. Elas são destinadas apenas para atividades de educação ambiental, ecoturismo e pesquisa científica, o que as caracteriza como unidades de proteção integral. No entanto, para permitir o extrativismo, esse grupos conseguiram que elas fossem classificadas como de uso sustentável. Passou assim no Congresso, mas depois conseguimos o veto presidencial e extrativismo saiu, mas a categoria não mudou. Então, o PL corrige esse erro histórico e ainda cria uma série de incentivos e melhorias que darão uma dinâmica diferente ao processo de criação. Já passamos pela Comissão de Agricultura,  de Meio Ambiente e agora estamos na Comissão de Finanças.

SOS Mata Atlântica – Qual o recado para os proprietários de terra interessados em criar uma RPPN?

Sonia Wiedmann – Sejam muito bem-vindos à família RPPNista brasileira! Criar uma RPPN é cumprir um mandamento constitucional. A Constituição de 1988 fala claramente que compete ao poder público, mas também à coletividade, a proteção da natureza. É fundamental engajar toda a sociedade nos esforços de conservação.

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