Durante o painel “Mitos e verdades sobre ocupação e uso do solo no Brasil“ especialistas de áreas, como restauração florestal, regularização ambiental e ocupação do solo, apresentaram dados que comprovam como o Brasil não precisa mais desmatar um hectare sequer para conseguir atender a demanda por alimentos no mundo. Organizado pela Fundação SOS Mata Atlântica no Viva a Mata 2019, o painel também contou com a análise de projetos de lei que trazem diversos riscos para o meio ambiente e à população brasileira.
Gerd Sparovek, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo (SMA-FF), apresentou dados a partir do Código Florestal brasileiro em uma análise que tem feito sobre os impactos da legislação ambiental brasileira. “Há 10 anos, quando estudávamos o Código Florestal, o cenário era com bem menos conhecimento como hoje. Atualmente, conseguimos prever o que vai acontecer nos próximos anos. Isso é um grande diferencial para a tomada de decisão de políticas públicas“, afirma ele.
Para Sparovek, dois Projetos de Lei (PL) do senador Marcio Bittar (MDB/AC), o PL 2362/2019, também assinado pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL/RJ), que aborda a extinção da Reserva Legal, e o PL 1553/2019, que traz novos critérios para a criação de Unidades de Conservação (UCs), não têm nenhum tipo de argumento que justifiquem a aprovação. Segundo ele, a descrição dos projetos traz informações baseadas em notícias, vídeos ou combatendo “ideologias“, o que são grandes equívocos. “A ideologia não entra na Academia. Existe um enorme processo para você aprovar um artigo científico e, no final, mesmo que você erre, a sociedade pode revisar e dizer o contrário“, explicou ele.
Entre os dados apresentados por ele, por exemplo, está o índice de que 50% dos maiores déficits de Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal nas propriedades do estado de São Paulo estão judicializados. São 825 imóveis, que somam uma área de aproximadamente 39 mil hectares.
Entre os mitos analisados pelos painelistas está a máxima de que a proteção inibe o progresso e a velha rixa agricultura x conservação. Para Luis Fernando Guedes Pinto, gerente de Certificação Agrícola do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e “do ponto de vista da produção agropecuária e não apenas de alimentos, não existe nenhum racional que justifique a desproteção de áreas. O que precisa é de política adequada, desenhando com que o Brasil quer“, ele reforça. “Qual esforço para melhoria queremos? Alguns especialistas acreditam que, se o Brasil enfrentar o desperdício de alimento e houver uma mudança de dieta, já teríamos alimento para 2050. É necessário organizar esse conhecimento“, afirmou ele.
Segundo Guedes Pinto, projetos de lei e medidas provisórias, como a MP 867, que altera novamente o Código Florestal e está para ser votada no Senado, são puramente para especulação de terra e para agradar poucos, pois o mercado não quer isso.
“Somente a MP do Código Florestal (867) provocaria o desmatamento entre 10 e 15 milhões de hectares. O projeto que prevê o fim da Reserva Legal, 100 milhões. Os últimos conflitos não têm sido por comida, mas por poder e terra. A fome pode ser combatida de várias formas. O recado é que floresta e desmatamento não têm relação com fome e com guerra, mas sim com especulação de terra“, afirmou ele.
O alento para todas estas questões podem vir da Mata Atlântica. Dados apresentados por Renato Crouzelles, associado no Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) e do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, dão conta que esse bioma pode, praticamente sozinho, fazer com que o Brasil cumpra a meta de acordos internacionais de restauração florestal (Bonn Challenge) e do clima (Acordo de Paris). Segundo ele, mais de 1 milhão de hectares podem ser restaurados na Mata Atlântica até 2020. E, somente de regeneração natural nessa floresta poderia-se chegar a quase 3 milhões de hectares. Entre 2011 e 2015 740 mil hectares de florestas em regeneração natural. Considerando apenas o potencial de regeneração natural, podemos ir muito além, onde as modelagens mostram que podemos chegar em 2,8 mi de hectares até 2020.
“Oportunidade e regeneração natural podem contribuir para as metas. Algumas pessoas acham que restaurar é difícil, ineficiente, caro e demorado, mas não é. Precisamos maximizar os benefícios ambientais e socioeconômicos e minimizar conflito com áreas agrícolas. Dá para a agricultura e a conservação caminharem juntas“, afirmou ele.
Tasso Azevedo, coordenador do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil MapBiomas, compartilha da mesma opinião, mas chama a atenção que o agronegócio que faz tudo certo, começa a se movimentar politicamente apenas agora. “Até então, o agro que fazia tudo certinho, que tem boa performance e tem reserva legal, pensava que poderia deixar para lá essas discussões, pois eles, de qualquer forma, vão continuar fazendo as coisas acontecerem, mesmo mudando a lei. Agora que a imagem do Brasil lá fora pode mudar, este setor está vendo que precisa se mexer e ver quem está falando por eles não é quem os representa“, destacou ele.
Luis Fernando Guedes Pinto, do Imaflora, disse o mesmo. “O agro que tem o poder político representa a pior parte do setor. A força econômica do mercado tem muitas virtudes, mas a representação política não atende a eles“, destacou.
No final, os painelistas destacaram que o mais importante é pensar que o interesse coletivo deve ser maior que os individuais. Para Tasso Azevedo, “a soma dos interesses individuais deve representar o interesse coletivo“.