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Precisamos devolver o verde para nossa terra

Entrevista com Marcia Hirota, presidente do Conselho Administrativo, e Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica

8 de setembro de 2022

Renovação é a palavra-chave no atual momento da Fundação SOS Mata Atlântica. Uma renovação cuidadosa, que reconhece as pessoas e não se distancia da trajetória e dos valores que marcam o trabalho da organização desde a sua criação. E que parte do princípio de que mudanças de contexto pressupõem transformações na organização, para que ela fortaleça a causa e a própria Mata Atlântica com sua atuação. 

Dentro desse quadro, Marcia Hirota, que já ocupou diversas funções na Fundação e que, até recentemente, ocupava o cargo de diretora executiva da SOS Mata Atlântica, passa o bastão para Luís Fernando Guedes Pinto, até então diretor de Conhecimento. Marcia assume a presidência do Conselho Administrativo, sendo a primeira mulher a estar nessa função. 

“O desafio do Conselho para nós é garantir que a SOS Mata Atlântica mantenha a sua identidade, mas saia da zona de conforto. Queremos continuar uma organização enxuta, coesa, motivada, com diferentes gerações trabalhando de forma ágil, mas, ao mesmo tempo, aumentar o nosso impacto. Então, o mandato que eu recebo é ter mais impacto, mais visibilidade, nos conectar com o nível internacional, promovendo um crescimento que faça sentido. Para isso, vamos precisar crescer em volume de recursos”, diz Luís Fernando. 

Márcia reforça que a SOS Mata Atlântica é uma ‘ONG de gente’ e foi uma das primeiras organizações a profissionalizar técnicos para o desenvolvimento de projetos, estudos e atividades na área ambiental. Prestes a completar 36 anos de atuação, a Fundação já inovou constantemente na sua gestão, sempre buscando o fortalecimento institucional ao longo de sua trajetória. “Isso é parte de uma renovação contínua que a instituição precisa conduzir para estar sempre com uma nova energia, porque o desafio que temos é imenso. Então, precisamos também de novas cabeças, novas forças, novos relacionamentos e formas de atuar de olho no futuro.” 

A emergência climática já ganhou destaque no guarda-chuva de causas da Fundação. O bioma Mata Atlântica tem soluções de adaptação que podem ser compartilhadas com o mundo e ganhar escala. E, pelo fato de sua presença se estender a grande parte do litoral brasileiro, suas cidades estão bastante suscetíveis ao aumento do nível do mar prenunciado pelo IPCC (Painel do Clima da ONU). 

A importância de cidades e estados elaborarem planos de adaptação que já prevejam ações e recursos para minimizar os efeitos da emergência climática é destacada por Marcia e Luís Fernando, que apontam ainda os efeitos pouco visíveis, como ondas de calor que têm ceifado muitas vidas na Europa. Além de enchentes, deslizamentos e outros eventos extremos. 

“A Mata Atlântica é o bioma da restauração. Temos nas mãos todos os dados, conhecimento, tecnologia e arcabouço legal para restaurar a Mata Atlântica. O bioma é uma área fundamental para a produção de alimentos no Brasil e para a saúde das pessoas. Faz todas essas conexões. E temos o desafio de levar a Mata Atlântica para o cenário internacional, mostrar ao mundo sua importância como referência e laboratório para as soluções globais”, analisa Luís Fernando. 

Luis Fernando participa de painel na Conferência do Clima de 2021 (COP26), em Glasgow, Reino Unido.

A dupla destaca a vital importância de promover soluções de adaptação para todos, que combatam as desigualdades, já que as pessoas em situação mais vulnerável e mais pobres são aquelas que sentem mais e por mais tempo as consequências da emergência climática. “Dois terços da população brasileira vive em mais de 3400 municípios da Mata Atlântica e boa parte dessa população está em áreas de risco”, destaca Marcia. 

A atual década em que vivemos é apontada como decisiva para o futuro do planeta do ponto de vista climático, da diversidade biológica, da prosperidade, de garantir recursos naturais para alimentar e atender todo o planeta. “É um período crítico e decisivo para o futuro da humanidade, e está muito claro que as soluções baseadas na natureza, conservar os ecossistemas, os biomas e restaurá-los é um caminho necessário, inevitável e urgente para mantermos o planeta saudável”, diz Luís Fernando. 

De 2021 a 2030, estão em vigor a Década da Restauração dos Ecossistemas e a Década dos Oceanos. Novas metas passam a valer pela Convenção da Diversidade Biológica da ONU. O ano de 2030 é chave também para o Protocolo de Paris e para a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS. E o Brasil é peça importante nesse processo, pela abundância da biodiversidade e de água doce e pelo potencial para o desenvolvimento de uma economia verde, de baixo carbono e inclusiva.   

“Precisamos ter, cada vez mais, um Congresso Nacional com parlamentares comprometidos com o meio ambiente, com a Mata Atlântica. Queremos que eles reconheçam essas agendas e incluam os temas em seus programas e prioridades. E precisamos fazer com que isso se amplie nos 17 estados abrangidos pelo bioma, nas Assembleias Legislativas e nos espaços da vereança. Isso é uma prioridade,” define Marcia. 

Esses desafios estão colocados na carta Retomar o Desenvolvimento, que foi elaborada pela Fundação para as Eleições 2022 e está destinada às próximas gestões dos poderes executivos e legislativos federal e estaduais, como propostas urgentes relacionadas à conservação do meio ambiente e à mitigação da emergência climática. 

“Temos que cobrar coerência e compromisso com uma agenda socioambiental democrática. A democracia é algo que a SOS Mata Atlântica não abre mão, é um valor fundamental e básico para qualquer outra coisa funcionar. Mas, além disso, a gente tem uma pauta específica para os governantes, com uma agenda propositiva. E precisamos reverter os retrocessos. Estaremos em 2023 cobrando coerência e uma agenda positiva, esperando que essa mudança, que é urgente, emergente e essencial, realmente aconteça,” diz Luís Fernando. 

Confira abaixo a íntegra da entrevista: 

Como vocês analisam essa troca de funções dentro do quadro da SOS Mata Atlântica? 

Luis Fernando (LF) Para mim, a palavra-chave de tudo isso é renovação. Uma busca de renovação institucional, mas sem perder a identidade e a história. Tem sido um processo muito responsável e cuidadoso conduzido pelo nosso Conselho Administrativo e pela Marcia, olhando para o futuro. Tudo isso vem de um olhar estratégico da liderança da organização, tendo em vista que o contexto mudou, que vivemos um novo tempo e que a renovação é importante para o fortalecimento da Fundação e da causa da Mata Atlântica. A presença da Márcia na presidência do Conselho é um sinal de que temos mudanças, mas não rupturas com a nossa história. Ela segue como guardiã da alma da SOS Mata Atlântica e passa o bastão para uma nova liderança que vai contribuir com novas ideias, experiências e uma outra trajetória. Eu faço parte da trajetória da Fundação, mas trago um olhar diferente. E há um significado importante nessa chegada da Marcia à presidência do Conselho. Ela é a primeira mulher que assume essa função, uma ambientalista e uma líder nata inquestionável da SOS Mata Atlântica. Ela começou como voluntária e chegou à presidência do Conselho. Isso é de um valor enorme. 

O desafio do Conselho para nós é garantir que a SOS Mata Atlântica mantenha a sua identidade, mas saia da zona de conforto. Queremos continuar uma organização enxuta, coesa, motivada, com diferentes gerações trabalhando de forma ágil, mas ao mesmo tempo aumentar o nosso impacto. Então, o mandato que eu recebo é ter mais conquistas, mais visibilidade, nos conectar com o nível internacional, promovendo um crescimento que faça sentido. Para isso, vamos precisar crescer em volume de recursos. 

Marcia Hirota (MH) São transformações necessárias para atingir a nossa missão e os nossos objetivos institucionais. A SOS Mata Atlântica é uma “ONG de gente” e foi uma das primeiras organizações a profissionalizar técnicos para o desenvolvimento de projetos, estudos e atividades na área ambiental. Prestes a completar 36 anos de atuação, a Fundação já inovou constantemente na sua gestão, sempre buscando o fortalecimento institucional ao longo de sua trajetória. “Isso é parte de uma renovação contínua que a instituição precisa conduzir para estar sempre com uma nova energia, porque o desafio que temos é imenso. Então, precisamos aprimorar sempre a nossa governança e gestão, precisamos também de novas cabeças, novas forças, novos relacionamentos e formas de atuar de olho no futuro.”  

No caso do Conselho, essa renovação também é desejada. O primeiro presidente foi o Fábio Feldmann, ambientalista, e os três seguintes foram Rodrigo Lara Mesquita e, os dois últimos, Roberto Luiz Leme Klabin e Pedro Luiz Barreiros Passos, empresários. E agora, vem uma mulher para ocupar esse lugar. Nesse momento em que eu assumo a presidência do Conselho e o Luís Fernando assume a diretoria executiva, nossa busca é por um novo olhar para o futuro da instituição e da própria Mata Atlântica. A diretoria executiva e a gestão da Fundação estão em boas mãos! Estamos desenhando novas estratégias, prioridades e metas para os próximos anos. E essa mudança tem sido bem recebida pela equipe e pelos parceiros. Renovar também para fortalecer o movimento. Estamos perdendo líderes históricos e precisamos ajudar a formar novas lideranças, valorizar e trazer novas pessoas e aliados para a nossa causa.  

Sempre trabalhamos com muita colaboração, todo o time sempre teve oportunidades de trazer ideias, criar projetos, contribuir na construção da agenda institucional e participar das nossas iniciativas. Não só a equipe, mas também voluntários e parceiros. Estamos muito abertos a inovar, a cocriar, a fazer as transformações necessárias para garantir o futuro da Mata Atlântica. Estamos abertos a novas ideias e parcerias para dar concretude para a proteção e restauração desse bioma tão ameaçado. 

O que a trajetória pessoal de cada um de vocês aporta para a função que assumem agora na Fundação? 

LF Trabalhei 20 anos no Imaflora e, como parceiro da Fundação SOS Mata Atlântica, sempre tive muita admiração pela organização e pelas pessoas. E também por se tratar de uma ONG brasileira – e digo isso sem nenhum preconceito com as organizações internacionais, que também são importantes. Para mim, ser convidado a integrar a SOS Mata Atlântica é um grande motivador. Vestir a camisa, levar a bandeira, é uma coisa muito especial. Sou engenheiro agrônomo, aprendi a desmatar, tive aulas sobre como derrubar florestas, usar agrotóxicos, enfim, todo o cardápio da Revolução Verde, e isso em uma das melhores escolas de agronomia do mundo. Minha residência agronômica na graduação foi realizada na Estação Ecológica Juréia-Itatins, em um projeto de adubação verde nas comunidades tradicionais. A interação entre agricultura e floresta já despertou em mim desde a graduação. Além de ter a inspiração da minha mãe, pelo lado da natureza, e do meu pai, por um olhar social sobre a desigualdade. Mestrado e doutorado foram também nessa interface entre agricultura e floresta. Depois vieram os anos no Imaflora.  

Então, em todo esse tempo, estive atuando sobre como a agricultura pode colaborar para a conservação florestal. É essa experiência que eu trago para a SOS Mata Atlântica. O que posso agregar é essa conexão do olhar para a mata, mas também para o campo, esse setor que é chave para o futuro do bioma e um vetor de pressão e desmatamento. E que é o setor que vai restaurar a Mata Atlântica. O setor agropecuário brasileiro é dono de 80% das terras da Mata Atlântica. Tem a obrigação, e espero que tenha o interesse, de restaurar pelo menos 4 milhões de hectares de matas ciliares, senão mais. 

MH Eu tenho uma trajetória completamente diferente. Não tenho formação na área, cheguei na SOS Mata Atlântica como voluntária, numa época em que eu estava em transição, fazendo pesquisas e me preparando para um mestrado. Quando jovem, fiz parte de um movimento ecológico na minha cidade, em Mogi das Cruzes, em luta pela defesa da Serra do Itapeti. A questão ambiental sempre me interessou e ficou mais forte quando estava realizando uma pesquisa sobre as tradições culturais no Vale do Paraíba. Foi nessa época que cheguei à SOS Mata Atlântica, inicialmente como voluntária, justamente para realizar uma pesquisa sobre a biodiversidade da Mata Atlântica. O primeiro projeto do qual eu colaborei na Fundação foi o I Seminário sobre Bancos de Dados para Conservação no Brasil, em dezembro de 1989. E, quando eu comecei a trabalhar com esse tema, mudei de área e fui me especializar em gerência de bancos de dados e fiz um mestrado em administração de sistemas de informação.  

Marcia no viveiro de mudas nativas na sede da SOS Mata Atlântica.

Esse tema é fascinante e o conteúdo de dados sempre foi importante para subsidiar todo o trabalho de conservação. De 1994 até 2021, coordenei o Atlas da Mata Atlântica, realizado em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, até hoje. Entrei como voluntária, fui assistente de projetos, coordenadora da área de Informação, depois assumi a coordenação e diretoria de Projetos, de gestão do Conhecimento e, posteriormente, a diretoria executiva, nesses últimos nove anos. Então, a minha vida é praticamente dedicada à Mata Atlântica e a conhecer, entender, realizar, visitar, lutar e fortalecer a SOS Mata Atlântica e nossa rede de parceiros. Também tive muita sorte de estar sempre bem acompanhada de pessoas geniais, conselheiros muito dedicados e presentes, de uma diretoria e equipe com excelentes profissionais muito talentosos e engajados com a causa, amigos queridos que fiz ao longo desses anos. O fato de ser convidada a assumir a presidência, além de ser a guardiã dos valores e história da Fundação, é também um reconhecimento e uma convocação, principalmente para que eu possa fortalecer cada vez mais esses laços e as parcerias, que são muitas. Para que a gente possa manter o movimento que atua na Mata Atlântica cada vez mais vivo. 

  

Quais os desafios de gestão e governança de uma organização como a SOS Mata Atlântica frente às crises econômica, ambiental e política? Quais são os desafios desse futuro? 

MH Estamos em um dos momentos mais difíceis da nossa trajetória, em um contexto global de pandemia, guerra, retrocessos políticos, enfim, um quadro que é internacional e presente no Brasil. E especificamente no país, enfrentamos adversidades absurdas, principalmente nesse último governo, com muitas perdas, ataques, desmatamento, degradação, com desafios ambientais e sociais enormes. Todo esse momento crítico se reflete também na Mata Atlântica, um bioma onde vive dois terços da população brasileira em mais de 3400 municípios da Mata Atlântica e boa parte dessa população está em áreas de risco. Esses enfrentamentos que temos que fazer. Defender e proteger a Mata Atlântica tem uma complexidade própria da composição do bioma, que atinge 17 estados, que vai do Nordeste ao Sul, do litoral até o interior e que tem uma rica diversidade biológica, cultural e paisagística e muitos patrimônios a preservar. 

Quando falamos que a Fundação tem a missão de engajar a sociedade na defesa da Mata Atlântica, estamos falando de um bioma em que vivem mais de 145 milhões de pessoas. As renovações, as mudanças na SOS Mata Atlântica são sempre necessárias para trazer mais força, novas energias e possamos seguir cada vez mais focados no que realmente sabemos fazer e produzir para perseguir boas conquistas, para deixar um legado para o bioma. A produção de conhecimento é primordial para aprimorar e para termos políticas públicas melhores para a Mata Atlântica. Estamos em um momento de fortalecer o movimento ambientalista, precisamos de novas lideranças, de atuar em conexão, de forma integrada e unir esforços para dar mais escala a nossa atuação. 

LF Esse contexto, que é dramático do ponto de vista global e nacional, exige das organizações da sociedade civil muita resiliência, capacidade de se adaptar e estratégia e ação coletiva. Nenhuma organização vai conseguir enfrentar desafios dessa magnitude sozinha. A SOS Mata Atlântica, por sua história, tem mostrado essa resiliência, essa capacidade de se adaptar, rejuvenescer e fortalecer os coletivos. Do ponto de vista da governança, o momento exige transparência das organizações. E temos um grande desafio que é o de engajar, de promover uma comunicação que leve a nossa causa a explicar as questões que estão colocadas para a humanidade, para a Mata Atlântica, e isso é bastante complexo.  

Precisamos influenciar os tomadores de decisão, não só aqueles sentados nas cadeiras de presidente, governadores, prefeitos e congressistas, mas também os líderes empresariais. E tudo isso exige uma capacidade da Fundação SOS Mata Atlântica e das organizações da sociedade civil de se comunicar, de fazer isso por meio do conhecimento embasado. O papel das ONGs é criar soluções e fazer pontes para que essas soluções sejam multiplicadas e unificadas. Os desafios são realmente enormes, mas a Fundação tem mostrado, ao longo de sua história, que reúne condições para enfrentá-los. 

Que mudanças vocês destacariam na atuação da SOS Mata Atlântica nesses 35 anos de atuação? Que outras agendas, além da restauração e conservação da Mata Atlântica em si, a Fundação tem incorporado? 

MH A SOS Mata Atlântica nasceu mesmo em uma grande campanha – Estão tirando o verde da nossa terra, entre 1987 e 1988. Uma criação da agência DPZ em que ia sumindo o verde da bandeira, alertando a sociedade que a Mata Atlântica estava desaparecendo e que se transformou posteriormente no nosso logo. O mais importante foi a mobilização da sociedade em torno da causa, de um bioma desconhecido que, desde antes daquela época, já era extremamente ameaçado. As primeiras lutas foram para tornar a Mata Atlântica um Patrimônio Nacional na Constituição Federal de 1988. A primeira edição do Atlas da Mata Atlântica, publicada em 1990, apontou a presença de 8,8% da área original. Todo um trabalho desde então foi feito para embasar e fortalecer as políticas públicas ambientais. A Mata Atlântica é o único bioma que tem uma lei específica, que foi aprovada em 2006 na Câmara dos Deputados após 14 anos de luta.  

Luis Fernando na solenidade Viva a Mata de 2022. Foto: Léo Barrilari/SOSMA.

A luta política, de mobilização, esteve sempre acompanhada da questão técnica, por meio do desenvolvimento de projetos e muita produção e divulgação de conhecimento. Começamos com projetos experimentais e estamos em constante evolução. O principal ponto é o fato de a Fundação ter iniciativas de longo prazo, como o Atlas da Mata Atlântica com o INPE desde 1989, o monitoramento da qualidade das águas – o Observando os rios – com a participação de mais de 3 mil voluntários nos 17 estados, o Viva a Mata – evento anual que celebra o dia nacional da Mata Atlântica (27 de maio) desde 2005 e muitas atividades de educação ambiental especialmente voltadas para professores e estudantes; o apoio e o fortalecimento de áreas protegidas; a luta pela criação de novas Unidades de Conservação, inclusive privadas – nós já apoiamos cerca de 500 Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as RPPNs. E o nosso trabalho de restauração é grandioso, com mais de 42 milhões de mudas de árvores nativas plantadas – são mais de 23 mil hectares restaurados com nossos parceiros. É a floresta de volta. 

A SOS Mata Atlântica se dedicou bastante a ter projetos mais robustos, para de fato deixar um legado para o país e para sociedade. Todos os nossos projetos têm apoio e parceria de empresas, de organizações e de pessoas físicas. Trabalhamos em rede, por meio de alianças, para fortalecer organizações e governos na gestão ambiental. Também fazemos parte da Rede de ONGs da Mata Atlântica, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, do Observatório do Clima, do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, do Observatório do Código Florestal, da Coalizão pró-Unidades de Conservação, Comitês de Bacias Hidrográficas e outras, unindo esforços para lutar ou atuar de forma colaborativa. Também fazemos parte do MapBiomas, uma rede formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia que avalia as transformações do uso da terra na qual somos responsáveis pela avaliação do bioma Mata Atlântica. 

E, olhando para o futuro, a questão da emergência climática ganhou mais destaque na pauta do dia. Ela já estava presente em várias agendas da Fundação, de forma transversal, e então decidimos trazer para o nosso guarda-chuva. 

LF A ameaça à Mata Atlântica ainda não acabou. Continuamos desmatando, as águas dos rios do bioma continuam com qualidade ruim de maneira geral. Os grandes problemas que levaram à criação da Fundação ainda existem e não foram totalmente superados. Porém, houve avanços muito importantes nesses 35 anos. O desmatamento diminuiu drasticamente, passando de uma escala de 100 mil hectares desmatados por ano para 10 mil a 20 mil hectares/ano. E esses avanços estão diretamente ligados à atuação da SOS Mata Atlântica. Essa redução de desmatamento é em grande parte resultado da Lei da Mata Atlântica, e também do nosso trabalho na área de Conhecimento, com os dados do Atlas da Mata Atlântica, que mostra para todo mundo o desmatamento, ano a ano. Outra motivação para a criação da SOS Mata Atlântica foi a poluição da bacia do Rio Tietê, ainda não totalmente recuperada. Graças à atuação da Fundação e de outros atores, tivemos enorme avanços na despoluição do rio Tietê, embora a qualidade da água ainda esteja aquém do desejável, ela melhorou de modo geral. 

Vínhamos avançando, nos últimos anos, na trajetória de melhoria na Mata Atlântica. O desmatamento estava diminuindo, a regeneração natural e a restauração começaram a ganhar força, a qualidade da água melhorando. E aí temos um parêntese nesses últimos quatro anos, no governo federal, que trouxeram uma situação totalmente atípica na trajetória do Brasil, com grandes retrocessos e impacto nas nossas conquistas. Então, o olhar de futuro é, primeiro, a SOS Mata Atlântica e o Brasil vão ter que reparar os enormes estragos que foram realizados nesse período. Vamos ter que colaborar para a reconstrução do país, recuperar políticas públicas e uma série de coisas. 

Se não tivesse ocorrido essa tragédia nesses últimos quatro anos, estaríamos agora começando a trabalhar para o futuro da Mata Atlântica com a agenda da restauração, trazendo uma agenda positiva para o bioma. Esse é o futuro que precisamos retomar. Nessa bandeira da SOS Mata Atlântica, passamos mais de 30 anos segurando o verde para ele não sumir da nossa terra. O futuro é a gente pintar de novo esse verde que se foi. Recolorir essa bandeira. Nossa campanha do futuro é: estamos devolvendo o verde da nossa terra. 

Como a questão climática entra na agenda da SOS Mata Atlântica? 

LF Essa década que a gente começou a viver a partir de 2021 é chave para o futuro da humanidade e para as questões ambientais no planeta e no Brasil. 2021 a 2030 é a Década da Restauração dos Ecossistemas da ONU. O mesmo período é também a Década dos Oceanos, declarada pela ONU. 2030 é o ano para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Estamos em pleno período de revisão das metas da Convenção da Diversidade Biológica. O planeta reconhece que nós exaurimos os recursos naturais, temos impactos enormes e que agora é a hora da virada. Esse é o recado da ONU e da ciência. 

É uma década decisiva para o futuro do planeta do ponto de vista climático, da biodiversidade, de ter prosperidade, de ter recursos naturais para atender e alimentar o planeta todo, ter água para todo mundo, acabar com a fome. É um período crítico e decisivo para o futuro da humanidade, e está muito claro que as Soluções Baseadas na Natureza, conservar os ecossistemas, os biomas e restaurá-los, é um caminho necessário, inevitável e urgente para mantermos o planeta saudável. 

E isso vale muito para o Brasil, um país-chave na questão ambiental do planeta, que abriga a maior área de floresta tropical do mundo, a maior reserva de água doce do planeta, que tem um dos maiores litorais, abriga a maior parte da biodiversidade do mundo. Enfim, nosso país é central nesse jogo. E é aí que a Mata Atlântica retoma o papel de protagonismo.  

Ela já é reconhecidamente um hotspot da biodiversidade no mundo, mas essa conexão entre clima e biodiversidade, saúde e produção de alimento coloca o bioma como um lugar muito especial. Porque a Mata Atlântica é um grande conector de todas essas questões, é uma grande interface da natureza com a economia e com a população. Ela abriga 70% da população, sustenta 80% do PIB, garante serviços ecossistêmicos que fazem o Brasil funcionar. E com a questão climática emergente, ficou evidente que somente parar de desmatar não é suficiente. 

Enquanto falávamos basicamente de parar o desmatamento, uma grande contribuição climática, obviamente a Amazônia é o grande bioma, é a principal atenção. O desmatamento na Amazônia chega a ser, em alguns anos, 100 vezes maior do que o da Mata Atlântica, e é fundamental a sua proteção, um bioma global fundamental nessa equação. Mas descobrimos que a emergência do clima exige não só parar de desmatar, mas restaurar a floresta como caminho mais curto, mais acessível, mais barato para a gente atravessar essa década até 2030. Depois de 2030, as soluções energéticas vão passar a ser mais viáveis, mas agora, para resolvermos no curtíssimo prazo a questão climática, as questões de desmatamento e restauração são chaves. 

O Brasil tem um legado, por exemplo, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), para controlar o desmatamento na Amazônia. Ensinamos ao mundo como reduzir drasticamente o desmatamento naquele bioma. A Lei da Mata Atlântica traz um legado semelhante, porque após sua publicação o desmatamento caiu drasticamente. Temos que mostrar para o mundo agora como a restauração é o motor de uma nova economia. 

MH Nós olhamos o ser humano como parte integrante da natureza. Tudo isso que o Luis Fernando falou está também incluindo as pessoas. Tudo está associado à vida que vamos ter daqui para a frente, com mais qualidade, saúde e bem-estar. Temos essas ameaças da emergência climática, o calor na Europa, tivemos aqui no Brasil períodos críticos com muita chuva no Nordeste e Sudeste, desmoronamentos terríveis com perda de vidas. Esses impactos são inevitáveis diante do cenário e temos que fazer com que eles atinjam o mínimo possível a vida das pessoas, a produção de alimento, de água, tudo que é vital para nós. As pessoas são parte importante de toda a nossa luta. A nossa missão é engajar a sociedade, porque nós precisamos que ela esteja atenta ao ambiente individual e coletivo em que vivem. Toda nossa luta e atuação em prol da proteção da biodiversidade, dos ambientes e a restauração da Mata Atlântica vão ser chave para a nossa vida no futuro e para as futuras gerações. 

  

Como vocês analisam a relação da adaptação climática com a Mata Atlântica? 

LF A Mata Atlântica tem tudo para ser uma referência global de adaptação para o mundo, porque toda a região vai sofrer dramaticamente com a emergência climática. Estamos falando da mata do Oceano Atlântico. São milhares de quilômetros que vão sofrer com as mudanças do oceano, e isso vai impactar muita gente. Desde as pessoas que vivem no Recife e no Rio de Janeiro, até as populações tradicionais, pescadores, que dependem do oceano para viver. O clima já está em transformação. A questão é o quanto a gente pode diminuir e atenuar essas transformações enquanto nos adaptamos a elas. Isso está posto, os dados do IPCC são muito claros. Mas nós reunimos condições para nos adaptar, para exigir políticas públicas, investimentos públicos e privados para a adaptação. E isso pode ser visto como oportunidade. Podemos usar nosso conhecimento e a natureza para construir um futuro para as nossas cidades. 

Já temos um certo acúmulo de iniciativas de adaptação, mas precisamos multiplicar isso. Precisamos ter mais Mata Atlântica nas cidades, no entorno das cidades, fazer essa conexão com as nossas vidas. Não faz mais sentido essa visão de que a cidade está em um lugar e a natureza está em outro. Isso falhou. Essa visão de que a natureza e as cidades e as pessoas precisam ser uma coisa só está óbvia, e agora a gente precisa de soluções para rever planos diretores e políticas públicas, reconstruir e redesenhar as nossas cidades, o nosso litoral. 

Isso vai exigir muito investimento, mas é uma situação que alguns economistas apontam que pode ser um ganha-ganha. Muitos estudos apontam que não fazer nada é ainda pior. E não é só um prejuízo econômico e de perder infraestrutura e negócios, mas pode levar a perda de vidas. Essa agenda de adaptação para o bioma é essencial, e pode ser solução para trazer qualidade de vida, para evitar desastres e criar oportunidades, criar empregos, gerar renda e termos um futuro próspero. Virar as costas para a adaptação é comprometer o nosso futuro. 

MH E o papel dos governantes das cidades é fundamental. Nós temos uma legislação ambiental bem robusta, só que todo mundo olha a legislação ambiental como algo que mira apenas a conservação e a proteção da natureza. E a legislação existe também para dar segurança às pessoas. O Código Florestal também é para isso, pois aponta que não se pode habitar em beira de rio, não se pode habitar em encostas ou topo de morro, porque são locais de risco. Então essa questão que o Luis Fernando colocou, de planejar a cidade, definir para onde ela vai crescer, onde preservar as florestas, inclusive em áreas urbanas, onde as pessoas podem morar com esse olhar para o contexto da adaptação climática será fundamental para todas as cidades. Nós já temos alguns exemplos de municípios que têm planos de adaptação climática, como Santos, Rio de Janeiro e Salvador. O papel das autoridades, principalmente municipais e estaduais, é bem importante para que a gente possa reduzir, minimizar todos esses riscos e ameaças. 

LF Em todo esse processo global da emergência climática que vivemos hoje está muito bem documentado que as populações mais pobres e vulneráveis são as que vão sofrer primeiro, e mais. A pandemia da Covid-19 e a emergência climática estão escancarando a desigualdade e o impacto dessa desigualdade na nossa sociedade. Se nós, enquanto Fundação e sociedade, não encararmos a questão da desigualdade, tomando como premissa fundamental que as soluções têm que ser para todos, tanto a SOS Mata Atlântica quanto o mundo vão falhar em superar esses desafios. A Fundação tem uma missão muito clara e um escopo de trabalho muito bem definido, que vamos manter como essência. Mas a gente tem que fazer essas conexões. Precisamos de verde nas cidades, nas áreas urbanas e nas periferias. Precisamos tirar as pessoas vulneráveis das áreas de risco. Não podemos ter pessoas morrendo de calor em comunidades que não têm água tratada. Tudo isso tem que ser tratado de maneira combinada. 

  

– Estamos de novo em um ano decisivo, vamos eleger presidente, governadores, deputados e senadores. O que esperar e cobrar desses candidatos em relação a todas essas questões que estamos falando aqui no prisma da Mata Atlântica? 

MH Estamos em um ano importante em que realmente a mudança vai ter que acontecer. A SOS Mata Atlântica trabalha desde 1989 com plataformas ambientais. Começamos com presidenciáveis e em várias eleições nós construímos propostas para agendas socioambientais aos candidatos e candidatas. Já fizemos mobilização voltada para o cidadão eleitor, com os candidatos, sempre no sentido de levar a questão ambiental como uma agenda estratégica. Vote pelo meio ambiente, Vote pela Mata Atlântica, foram muitas campanhas e mobilizações. Porque nós precisamos ter governantes e bancadas parlamentares comprometidos com a causa. 

Neste ano lançamos o documento Retomar o Desenvolvimento, destinado às próximas gestões dos poderes executivos e legislativos federal e estaduais, com propostas urgentes relacionadas à conservação do meio ambiente e à mitigação da emergência climática. Precisamos ter cada vez mais um Congresso Nacional e Assembleias Estaduais com parlamentares comprometidos com o meio ambiente e com a Mata Atlântica. Queremos que eles reconheçam essas agendas e incluam os temas nos seus programas e prioridades. Precisamos fazer com que isso se amplie nos 17 estados abrangidos pelo bioma, nas Assembleias Legislativas e nos espaços da vereança. Isso é uma prioridade para nós.  

LF Temos que cobrar coerência e compromisso com uma agenda socioambiental democrática. A democracia é uma coisa da qual a SOS Mata Atlântica não abre mão, é um valor fundamental e básico para qualquer outra coisa funcionar. Mas, além disso, a gente tem uma pauta específica para os governantes, com uma agenda propositiva. Isso fica muito claro no nosso documento de propostas, precisamos reverter os retrocessos. Precisamos também de muitas parcerias e articulações. É fundamental a atuação das organizações locais, de outros parceiros, que zelam por uma agenda estadual e municipal. A SOS Mata Atlântica não consegue e nem pretende alcançar todos os lugares, mas sim inspirar a sociedade nessa direção. Estaremos, em 2023, cobrando coerência e uma agenda positiva, esperando que essa mudança, que é urgente, emergente e essencial, realmente aconteça.

Crédito: Mônica Ribeiro

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