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Saldão do desgoverno avança no Congresso

Projetos de Lei que ameaçam a Mata Atlântica e outros biomas são aprovados na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados

23 de novembro de 2022

Texto: Marina Vieira
Fotos e vídeo: Matheus Mussolin

Os biomas brasileiros, já ameaçados com altas taxas de desmatamento e degradação, enfrentam ainda mais ameaças vindas do poder Legislativo brasileiro. Aproveitando um período de pouca atenção da população, Projetos de Lei (PLs) que querem diminuir a proteção da Mata Atlântica e outros ecossistemas foram aprovados hoje (23) na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (CMADS).

Entre eles está o PL 364, que flexibiliza a Lei da Mata Atlântica e permite a exploração dos campos de altitude – fisionomia mais frágil do bioma essencial para a produção de água e para a biodiversidade –, com cultivo de espécies exóticas, além de dar permissão para novas conversões.

“Houve um acordo entre os parlamentares para que o parecer do deputado Nilton Tatto, que era contrário a esse PL, fosse rejeitado e o projeto fosse então aprovado com novos substitutivos do deputado José Mário Schreiner, todos eles na mesma linha de permitir a conversão e o uso dessas áreas importantes da Mata Atlântica”, relata Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, que estava presente na sessão.

Malu afirma que o trabalho agora será barrar o projeto no seu percurso pelo Congresso. “Ele segue para a Comissão de Constituição e Justiça, onde é possível mostrar a inconstitucionalidade desse texto e defender a integridade da Lei da Mata Atlântica”, declara.

Além deste, outros dois PLs considerados antiambientais foram aprovados na CMADS. O de número 195, que enfraquece o controle sobre o transporte de madeira e dá brecha para o comércio e desmatamento ilegais, e o PL 2.168, que permite barrar cursos de água para fins de irrigação e avançar sobre matas ciliares – que são Áreas de Preservação Permanente (APPs) que protegem, entre outros serviços, a provisão de água para o abastecimento humano. “Um projeto como esse, se virar lei, pode gerar instabilidade em todas as bacias hidrográficas do Brasil e alterar o fluxo de vazão de todos os rios brasileiros”, alerta Kenzo Jucá, assessor do ISA (Instituto Socioambiental).

Os PLs integram o que ambientalistas estão chamando de Saldão do Desgoverno, um esforço final de passar políticas que vão contra os compromissos socioambientais já firmados pelo Brasil, como o Acordo de Paris, e pelo novo governo eleito, que quer zerar o desmatamento em todos os biomas.

Mobilização da sociedade

O conjunto de PLs que estavam na pauta da CMADS nesta quarta-feira foi tema do evento Café Ambiental: O Saldão do Desgoverno, promovido por frentes parlamentares em conjunto com organizações da sociedade civil, como a SOS Mata Atlântica e o Observatório do Clima.

Malu Ribeiro esteve no café e alertou os presentes, entre os quais as recém-eleitas deputadas Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Sônia Guajajara (PSOL-SP), da bancada indígena, para os perigos do pacote. “A Comissão do Meio Ambiente hoje é, infelizmente, antiambiental”, declarou Malu, numa avaliação confirmada pelo resultado da votação.

As aprovações ignoraram as manifestações da sociedade na sessão, que se organizaram para participar da votação e do café ambiental. “É muito importante a mobilização da Frente Parlamentar Ambientalista, no sentido de evitar que nesse finalzinho de governo Bolsonaro a Câmara Federal e também o Senado façam passar legislações que ferem o meio ambiente do Brasil, que vão colocar inclusive em risco e dificultar a reconstrução das políticas ambientais já no nosso próximo governo, no governo Lula”, afirmou Douglas Belchior, que é membro da Coalizão Negra Por Direitos e está na equipe de transição do presidente eleito.

Ele diz que os movimentos sociais estão atentos. “A gente teve uma participação do movimento negro na COP [27, Conferência do Clima realizada no Egito], a partir da demanda da luta contra o racismo ambiental, com vitórias importantes. Acho que tem um fôlego da sociedade civil em torno do tema, que vai com certeza ser prioridade no próximo governo. A gente não pode vacilar, não pode esmorecer, não pode deixar de ficar muito atento nesse finalzinho de mandato para não deixar passar mais boiada do que já passou”, defendeu Belchior.

Apesar dos reveses sofridos, Malu Ribeiro comora o fato de a sociedade ter conseguido evitar a votação de outros três PLs que atacam a Mata Atlântica. Ela resume o dia como de muita pressão da sociedade, tentativas de acordo e participação de lideranças dos movimentos ambientalista, indígena, negro, de mulheres e jovens. “Foi um dia de celebração também da resistência que nós conseguimos exercer nesses quatro anos de desmonte da nossa legislação ambiental e dos nossos direitos civis. Agora é reconstruir”, declara, prometendo seguir acompanhado as pautas e mobilizando as pessoas para impedir o saldão do desgoverno de ir adiante.

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