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Entrevista do Mês: Russell Mittermeier, PhD em Mata Atlântica

O primatólogo americano  já esteve 50 vezes no Brasil e diz que o bioma sempre foi seu principal amor

26 de julho de 2021

Por Afra Balazina

Fotos: Divulgação Re:wild

Apesar de não ter nascido nem morar no Brasil, ele provavelmente conhece nosso país muito melhor do que a maioria de nós. E o mesmo vale para a Mata Atlântica. O primatólogo e herpetólogo americano Russell Mittermeier já esteve 50 vezes em terras brasileiras – em geral, faz uma visita por ano a áreas de florestas relevantes para seu trabalho e só não esteve ainda nos estados do Ceará e do Acre.

Escolhido um dos heróis do planeta pela Revista Time e autor de 35 livros, ele é hoje chefe de conservação da ONG Re:wild, antes conhecida como Global Wildlife Conservation, além de ex-presidente da Conservação Internacional. Apesar de já ter estado em 169 países e conhecer inúmeras paisagens de tirar o fôlego, ele tem apreço especial pela Mata Atlântica, que é a casa de espécies que ele tem acompanhado ao longo dos anos.

A seguir, a conversa que a equipe da SOS Mata Atlântica teve com Mittermeier em São Paulo, onde esteve para acompanhar alguns eventos e reuniões.

Poderia falar sobre a importância mundial da Mata Atlântica do ponto de vista da biodiversidade?

RM: Eu quero frisar especialmente a importância da Mata Atlântica como um dos 36 hotspots de biodiversidade que existem em nosso planeta. Esses hotspots ocupavam originalmente 16% da superfície terrestre do planeta. Mas, agora, foram reduzidos a quase 90%, o que dá mais ou menos 2% da superfície terrestre do planeta. Mas nesses 2% você tem mais de 50% das plantas e mais de 50% dos vertebrados endêmicos, ou seja, que não existem em nenhum outro lugar. Então, eles são altamente importantes em termos da conservação da biodiversidade para o planeta. Se falharmos nos hotspots, vamos perder uma grande porcentagem da vida que existe em nosso planeta, sem falar das outras áreas. Podemos ter muito sucesso nas outras áreas, mas se perdermos os hotspots, vamos perder muito de biodiversidade mesmo.

Em relação a espécies existentes no bioma, quais o senhor destacaria?

RM: A Mata Atlântica foi sempre reconhecida como um dos cinco hotspots mais importantes, tal a grande biodiversidade que existe aqui e o nível muito alto de endemismo. Para mim, obviamente, como primatólogo, vou frisar a importância dos macacos, o gênero Brachyteles, as duas espécies de muriquis. Eles são os maiores macacos do continente americano. E eles são altamente importantes como símbolo para conservação da natureza do Brasil – são como o panda-gigante para a China. Também tem os mico-leões, quatro espécies deles, são tão famosos que até aparece no bilhete de R$ 20 do Brasil. E várias outras espécies. Tem a preguiça-de-coleira, é uma espécie de preguiça que só existe nessa região. Em termos de plantas, tem uma diversidade enorme. Acho que agora são mais ou menos 20 mil espécies de plantas dos quais grande porcentagem é endêmica – as bromélias por exemplo, as orquídeas, chegam a uma diversidade, a um endemismo incrível. E tem muitas outras espécies que não são necessariamente endêmicos, como a onça-pintada, mas também são importantes como símbolos da Mata Atlântica.

E como começou a sua relação com a Mata Atlântica, que hoje o senhor conhece tão bem?

RM: Comecei minha carreira aqui em 1971, trabalhando com grandes pioneiros da conservação, especialmente Adelmar Coimbra-Filho, que foi o primeiro primatólogo brasileiro, e também com Paulo Nogueira-Neto. Encontrei Paulo Nogueira-Neto em 71, fizemos uma viagem para o Morro do Diabo nessa época procurando ver o mico-leão-preto, e nesta viagem eu vi a destruição que existia já, e isso faz 50 anos, no interior de São Paulo. Foi muito triste. Mas nesses 50 anos viajei o Brasil inteiro, mas sempre a Mata Atlântica foi o meu amor principal. E a SOS Mata Atlântica teve um papel importante também na criação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica que agora está também celebrando 30 anos de vida. Uma das mais importantes áreas protegidas do mundo inteiro.

Em sua visão, qual a necessidade ou importância de termos Unidades de Conservação, como parques e reservas, para proteger a biodiversidade?

RM: Com a população crescendo tanto, você não vai ter nada [de biodiversidade] fora das áreas protegidas. Em Madagascar, por exemplo, já é assim. Se não existe parque, a fauna dessa região acaba.

E que país é um bom exemplo nesse sentido?  

RM: O Brasil tem uma história muito boa de conservação. Tem muitos problemas, é um país grande com a maior mata tropical do mundo, com dois grandes biomas, Mata Atlântica e Amazônia. Mas tem muitas áreas protegidas da Amazônia, não só federais, mas estaduais. Tem grandes áreas indígenas e, para mim, o Brasil dos últimos 50 anos em termos de conservação – quando eu comparo com grande parte de outros países –, foi um sucesso. O triste é que agora o presidente Jair Bolsonaro está tentando desmanchar tudo que foi feito nos últimos 50 anos. Mas, para mim, o Brasil é o líder global. Eu viajo, estou sempre viajando, já conheço 169 países e a grande parte dos países tropicais, o que vemos é um declínio, é muito triste. O Brasil está certamente entre os mais bem sucedidos. Obviamente a Costa Rica tem uma história muito interessante… mas é um país do tamanho do estado do Rio de Janeiro. Os Estados Unidos também são razoavelmente bons em termos de conservação. Porém, o Brasil para mim é muito melhor do que a Indonésia por exemplo, os dois países chamados de megadiversos.

O que são países megadiversos?

RM: Megadiversidade é um conceito que eu criei em 1986 falando que existem países do mundo, 18 no total, que são responsáveis por 2/3 da biodiversidade do planeta – terrestre, água doce e mar. Os dois mais importantes são Brasil e Indonésia, logo depois vem a Colômbia.

Quando veio ao Brasil pela primeira vez foi por causa dos macacos?

RM: Eu sou primatólogo e o Brasil é o país número um para macacos. Existem cerca de 150 espécies. 90% dos primatas são da mata tropical. O Brasil é o país número um para macaco tropical. O segundo no mundo é Madagascar. Madagascar é o segundo país em termos de prioridade. Só que Madagascar é muito menor. Acho que o Brasil é 7 vezes maior do que Madagascar. E Madagascar tem 112 espécies, 5 famílias, 15 gêneros. Em termos de conservação de primatas é um número urgente de prioridade. Brasil vem em segundo. Mas o Brasil tem mais espécies.

Curiosidade:

Mittermeier sempre teve muito interesse em descobrir e descrever novas espécies. Ele descreveu 21 novas espécies – três tartarugas, seis lêmures, quatro társios (os menores primatas do mundo) e sete macacos. E tem oito espécies nomeadas em sua homenagem – três sapos, um lagarto, dois lêmures, uma formiga e um macaco saki.

E o senhor foi aprendendo o português nessas visitas ao país? Pois você fala muito bem nossa língua…

RM: Quando eu vim pela primeira vez, cheguei em Manaus e fomos até Belém, descemos com ônibus até Brasília e Rio, nessa época por estrada de terra, e fui aprendendo. Você tem que aprender, né? Se você fala espanhol você aprende rápido. A coisa mais difícil para mim no início foi entender o que as pessoas estavam falando. Mas lendo era mais fácil. Então, num mês eu aprendi. E depois fui numa expedição na Amazônia em 1973, fiquei quatro meses só com brasileiros amazonenses lá. Depois disso passei a falar melhor.

E além do espanhol, inglês e português, tem mais línguas que fala?

Francês, alemão, sranan tongo, a língua creole do Suriname, e ainda estou aprendendo outras.

Nessas expedições e visitas todas, que locais da Mata Atlântica mais te marcaram? 

RM: Olha eu considero especialmente duas áreas privadas. A mata do Feliciano, em Caratinga (MG), que tem a população mais importante de muriqui-do-norte. E que, graças ao trabalho da cientista americana Karen Strier, está celebrando 39 anos de pesquisa contínua. Karen ganhou o prêmio Muriqui em reconhecimento e tem feito um trabalho incrível. Ela formou mais de 80 especialistas brasileiros, não trouxe pesquisadores de fora, trabalhou com os cientistas brasileiros e fez um trabalho fantástico. Então, dessa fazenda eu gostei demais. E outra área que teve uma história um pouco mais complicada é a [antiga] fazenda Barreiro Rico [hoje fazenda Bacury], aqui no interior de São Paulo, que foi propriedade de José Carlos Magalhães, uma pessoa maravilhosa que protegeu essa mata durante décadas, que continua existindo e ainda tem população de muriqui e seis espécies diferentes de macacos. Mas estamos vendo como podemos garantir que isso continua. A família continua protegendo a mata, mas não tem a mesma presença de pesquisa que tivemos em Caratinga.

Em Caratinga, que citou, existe a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano Miguel Abdala, que é considerada uma área prioritária para a proteção da biodiversidade da Mata Atlântica. Isso é um exemplo do grande papel das áreas privadas, pois 80% do que restou dessa floresta está em propriedades privadas.

RM: Sim. E o que eu vejo do futuro, nós estamos vendo a importância de reservas com suas comunidades do entorno. Por exemplo, em Madagascar, elas muitas vezes são as mais eficientes. E também eu vejo muito a importância de ecoturismo. Eu acho que grande parte desses países que têm um alto número de espécies, o ecoturismo pode gerar muitos recursos e, se bem feito, uma boa parte dos recursos fica para as comunidades. E isso para mim é essencial.

A Costa Rica nesse caso do ecoturismo seria um exemplo?

RM: A Costa Rica é fantástica. Estão ganhando bilhões de dólares com isso. E eles chegaram a ter 25%, só 25% de cobertura florestal, mas agora tem 50% mais ou menos. Ou seja, eles tiveram uma visão muito boa e realmente estão olhando para o futuro. Mas é quase o único da América Central. Panamá agora está melhor também. Mas os outros países da América Central são desastrosos nesse sentido.

Saiba mais sobre a Re:wild

Lançada em 2021, a Re:wild (anteriormente Global Wildlife Conservation) trabalha para proteger a biodiversidade nos lugares mais insubstituíveis do planeta. Com Leonardo DiCaprio como membro do conselho fundador, a organização atua para preservar e restaurar a natureza em sua forma mais selvagem como a principal solução para a tripla ameaça das mudanças climáticas, extinção em massa e pandemias. Para isso, engaja mais de 400 parceiros locais, incluindo povos e comunidades indígenas, em mais de 50 países ao redor do mundo.

 

A pandemia do novo coronavírus também impactou as áreas importantes para a biodiversidade?

RM: Olha, a pior coisa foi a queda do ecoturismo. Só em Madasgascar tivemos que apoiar com US$ 400 mil até agora as comunidades ao redor das nossas áreas prioritárias. Então é muito complicado.

E a falta das viagens, nesse período, como tem sido? Está com saudades de avião?

RM: Eu viajo geralmente 80% do tempo e desde março do ano passado eu fiz somente quatro viagens nos Estados Unidos e uma para Galápagos agora. Em março e essa agora para o Brasil e só. Mas estou doido para voltar. Eu trabalho muito no Suriname também. E em Madagascar, mas o país ainda está fechado.

Por falar em doença, com tantas viagens a campo, já passou por muitos sustos?

RM: Trabalhando em mata tropical você está sempre enfrentando doenças tropicais, como malária, dengue. Tive dengue duas vezes. Leptospirose. Vários parasitas, umas 30 e poucas vezes. Recentemente peguei um barbeiro horrível, voltei com 7. E tivemos que ir tirando.

E picadas?

RM: Até hoje não fui mordido por nada, felizmente. Nenhuma serpente venenosa. Mas até agora tiver sorte e minha família também. Meus filhos estão bem, eles também viajam muito. Meu filho, o segundo, viajou duas vezes para a Costa Rita e uma vez para Panamá sem vacina da covid. Mas agora ele está vacinado.

Seus filhos seguiram seus passos na área ambiental e científica?

RM: O primeiro, John, é ornitologista e acaba de fazer doutorado em Oxford. O segundo, Michael, é botânico especialista em plantas aróides. Minha filha está na Universidade de Victoria, no Canadá. Agora ela virou cidadã canadense. Ela é americana, mexicana e canadense. Então, dois dos três pelo menos estão na área, no trabalho de conservação.

O senhor deixa um legado com eles também. Por fim, a SOS Mata Atlântica está completando 35 anos de existência. Como foi a sua relação com a ONG ao longo desses anos?

RM: Em primeiro lugar, parabéns por celebrar os 35 anos de vida e eu gostaria de especialmente reconhecer a grande visão dos fundadores de SOS Mata Atlântica, Roberto Klabin, Fábio Feldman, José Pedro de Oliveira Costa, Rodrigo Mesquita, Clayton Lino, entre outros. Realmente grandes figuras na conservação da biodiversidade no Brasil que criaram uma organização que está entre as mais bem sucedidas não só no Brasil, não só no continente sul-americano, como também no mundo inteiro. Então parabéns para todos que tiveram essa visão maravilhosa. Quando fui presidente da Conservação Internacional nós entregamos através da MacArthur Foundation uma das primeiras contribuições à SOS Mata Atlântica e eu acho que ajudou muito no início da organização, isso foi por volta dos anos 1990. Mas depois disso a SOS Mata Atlântica mostrou capacidade de fazer arrecadação de fundos que nenhuma outra ONG brasileira tem. Então, eu vejo a SOS Mata Atlântica não só um dos modelos para o Brasil, mas um dos modelos para o mundo tropical. É uma ONG que funciona bem, que tem muito sucesso e agora vocês estão celebrando 35 anos de vida e espero que eu possa continuar trabalhando com vocês pelos próximos 35 anos.

 

 

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