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A ferro, fogo e caneta

O Brasil passa por um novo ciclo de devastação da vegetação nativa. E as ações do governo brasileiro têm sido o combustível.

15 de dezembro de 2020 - Por Luís Fernando Guedes Pinto

Os incêndios no Pantanal e em matas do Brasil fazem parte de um novo ciclo de devastação da vegetação nativa. Os seus combustíveis têm sido as ações do governo brasileiro, desmontando o Sistema Nacional de Meio Ambiente, construído com muito empenho pelo Estado brasileiro.

A diminuição da fiscalização ambiental e o enfraquecimento de políticas regulatórias, como o Código Florestal e das áreas protegidas, são os principais sintomas desta estratégia. No campo, os atores são grileiros e fazendeiros irresponsáveis. A disputa é por terra e poder. O pano de fundo: a visão da natureza e de seus povos como barreira ao crescimento econômico. Um almoxarifado de curto prazo.

Uma visão tacanha que somente pode estar apoiada em outra marca dos nossos atuais líderes de Brasília: a negação da ciência e a ignorância a respeito da centralidade da natureza para a prosperidade da humanidade. O ceticismo da urgência de enfrentar as mudanças climáticas.

Este trágico quadro nos faz lembrar da magnífica obra do historiador Warren Dean de 1995: A ferro e fogo – a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. Infelizmente a história da Mata Atlântica se repete pelo país.

Warren nos mostra que, da chegada de Cabral em 1500 à metade do século 20, os ciclos do pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e café se basearam no casamento do desmatamento com a escravidão e a violenta ocupação de terras públicas por uma pequena elite que viveu em simbiose com as canetas do poder. Ele aponta que a destruição da Mata atlântica foi feita sem a menor curiosidade pelo seu valor ecológico e econômico, escravizando seus povos e ignorando o seu conhecimento e a sua cultura.

A visão imediatista resultava no desmatamento à base do fogo e do ferro dos machados para uma produção voltada à exportação. A exaustão das terras em pouco tempo vinha acompanhada de decadência, deixando um rastro de destruição e pobreza para a população nativa e mestiça, que ficava com o papel de produzir alimentos de maneira precária para os brasileiros nas terras exauridas e sem o apoio do Estado.

Novas terras eram dadas para a elite seguir derrubando matas e repetindo o ciclo devastador indefinidamente. As terras eram dadas aos ricos enquanto a situação fundiária dos pobres agricultores não era resolvida e as regras ambientais, presentes desde a colônia, desrespeitadas impunemente pela elite. Das capitânias hereditárias de 1500 à escandalosa ocupação do Pontal do Paranapanema em São Paulo, em plena metade do século 20, a história é a mesma.

O Brasil e a sua agricultura se modernizaram rapidamente e muita coisa mudou nas últimas décadas, mas a marca da história da Mata Atlântica continua impregnada nas canetas do poder Executivo e do Congresso Nacional, nos trazendo de volta aos períodos de ferro e fogo de Warren para todos os cantos do Brasil.

Com o desmonte federal, os atuais governos estaduais e os futuros municipais têm a oportunidade e a responsabilidade de se alinharem para liderar a agenda de conservação e desenvolvimento e garantir o futuro do Brasil. A recuperação dos 7 milhões de hectares de florestas de Mata Atlântica para cumprir com o Código Florestal é um primeiro passo.

Mario Mantovani e Luís Fernando Guedes Pinto são diretores, respectivamente, de Políticas Públicas e de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica.

Crédito: Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo em 15/12/2020

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