A Mata Atlântica abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados. É o lar de 72% dos brasileiros e concentra 80% do PIB nacional. Dela dependem serviços e atividades essenciais como abastecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo. Hoje, resta muito pouco da floresta que existia originalmente. É preciso monitorar e recuperar a floresta, além de fortalecer a legislação que a protege.
A Mata Atlântica já perdeu quase 90% de sua área original e agora precisa ser recuperada, para proteger espécies, serviços ambientais e evitar a falta d’água. As iniciativas de Restauração Florestal da Fundação estão entre as que mais contribuíram para reabilitar a floresta no país, com mais de 42 milhões de árvores nativas plantadas.
As Unidades de Conservação (UCs), mais conhecidas como parques e reservas, são protegidas por lei para resguardar o patrimônio natural e sociocultural. A Fundação já contabiliza o apoio a mais de 500 UCs em áreas de floresta, de costa e de mar, com investimento de R$ 15 milhões.
35 milhões de brasileiros não têm acesso à água limpa, 46% do esgoto no Brasil é tratado e mais de 60% das doenças que levam a internações no SUS decorrem da água contaminada. Por meio de projetos, campanhas e outras iniciativas, a Fundação monitora a qualidade da água com a ajuda de voluntários e busca o fortalecimento das leis que protegem nossos rios.
Conheça a história de uma das principais especialistas em questões marinhas do Brasil
14 de dezembro de 2020
Antes mesmo de andar em terra, ela estava no mar. Nascida no Rio de Janeiro, é neta de cientista – seu avô alemão era bioquímico e farmacêutico e veio para o Brasil no início dos anos 1900 a convite do Governo de Minas Gerais. Seu pai, também alemão, foi químico e, talvez por ser um apaixonado pelo mar, se mudou para o Rio, onde a filha passou grande parte de sua vida. Estudiosos, o avô e o pai adoravam contar suas histórias para Yara.
Uma ironia em sua vida, é que a única certeza que tinha quando fez faculdade, era que “nunca seria professora“. Sorte de seus alunos que podem contar com seus conhecimentos nestes mais de 50 anos de legado.
“A vida me levou à docência. Desde então, virei professora, com muita honra. Aposentei em 1998 e continuo dando aulas até hoje“, afirmou ela.
Conhecida e chamada por amigos e admiradores como professora Yara, ela carrega um vasto currículo recheado de experiências e títulos acadêmicos. É bacharel e licenciada em História Natural pela Universidade do Brasil (1965), mestre em Oceanografia Biológica pela USP (1970), e doutora em Ciências: Zoologia pela mesma universidade (1976).
Nesta conversa, falamos com Yara sobre a importância dos ecossistemas marinhos e como as características da Zona Costeira do Brasil – considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal – são fundamentais para a garantia e proteção da vida, principalmente daqueles que vivem nas regiões costeiras.
Para ela, antes dos ecólogos desbravarem a natureza, quem apresentava diversas características dos ambientes marinhos e sua relação com a terra eram os poetas. Até uma lenda que leva o seu nome, diferindo apenas a primeira letra, pode ser um exemplo. “Iara nos rios da Amazônia. Ou os relatos de Alexandre, o Grande, ao descrever em 325 a.C. as árvores crescendo em água salgada no Indo-Pacífico“.
Com opinião contundente, ela acredita que as degradações que a humanidade vem fazendo contra os ambientes costeiros e marinhos, e as ações do atual governo federal, podem gerar impactos diretos na vida da sociedade, especialmente frente às mudanças climáticas.
“Se perdermos nossas barreiras naturais, como recifes, praias, restingas e manguezais, podemos não encontrar alternativas fabricadas pelo homem que sejam tão eficientes para a proteção da zona costeira“, afirma.
Para a professora, os retrocessos existentes são fruto de ganância, desrespeito à vida e falta de olhar de longo prazo dos tomadores de decisão.
“Basta botar o horizonte um palmo adiante do nariz, não é muito. Ver imobiliárias comandando um “sinistro” de meio ambiente para que ele faça esse tipo de coisa, é um problema psicológico.“
Professora, primeiramente, poderia contar para a gente um pouco da sua história? Principalmente o que a levou a trabalhar nesta área de oceanografia?
R.: Quando eu tinha seis meses comecei a andar de barco. Era normal estar em ambiente aberto, ter curiosidade e receber as histórias do meu avô e do meu pai. Do outro lado, minha mãe era filha de oficial da Marinha. Ter um barco na Baía de Guanabara para descobrir aquelas ilhas era incrível. Até eu terminar a faculdade, o fim de semana era de total liberdade. Nas férias de verão, a gente viajava para Ilha Grande, onde passávamos muito tempo nas praias do Pouso e das Palmas. Também nas baías de Angra dos Reis e Paraty. Querer fazer história natural veio disso. Foi quase por inércia. Não tinha medo, estava sempre em movimento. Tinha uma única certeza, de que eu não queria ser professora.
Com o tempo, fui me encontrando, até que um dia tive a oportunidade de participar de um curso de oceanografia com os melhores professores internacionais, com patrocínio da ONU. Passamos diversos dias a bordo do navio oceanográfico da Marinha.
O que fez a senhora mudar de ideia para ser professora?
R.: A vida me levou à docência. Mesmo tendo sido aprovada em concurso público para o Instituto Oceanográfico em 1967, somente fui chamada para tomar posse em janeiro de 1970. Resultado: fui buscar abrigo e suporte na docência, ministrando aulas de Ciências Físicas e Naturais em dois colégios estaduais de São Paulo, por dois anos, em 1968 e 1969, graças à minha Licenciatura. Desde então, virei professora, com muita honra! Aposentei em 1998 e continuo dando aulas até hoje.
O que você diria para alguém que quer conhecer melhor o litoral brasileiro?
R.: Ter mente aberta. Há muito para se descobrir em qualquer espaço natural. O ambiente na faixa entre terra e mar ainda nos reserva muitos fatos desconhecidos. Você pode levar a sua vida inteira buscando novidades, descobrir certos segredos da natureza e não vai acabar.
Você pode sair em uma jangada com um pescador, por exemplo, e ver um infinito horizonte, ouvir o vento ou os pássaros. Tem para todo mundo, todo gosto e todo espaço de espírito. Só precisa estar com mente aberta.
Você descobre animais que vivem perto do mar, mas não são necessariamente de lá, podem passar parte da vida em manguezais. Um manguezal ainda tem outros segredos de cultura, de sincretismo religioso e uma arquitetura nas árvores diferente do que se vê dentro da Mata Atlântica.
Como explicar a conexão entre terra, floresta, costa e mar para as pessoas?
R.: Quando não existiam ecólogos os poetas explicavam bem esta conexão. Escritores como Camões, os poetas e poetisas, já faziam essa conexão. A ecologia veio depois para compreender e colocar a ciência nisso. Os ecólogos começaram a buscar elementos científicos para o que os poetas viam. Quando você destrincha cada estrofe de um poema, você desnuda ele, você entende essa ligação.
Nossos poetas no exílio, navegadores solitários, naturalistas europeus vindos às Terras Brasilis descreviam o íntimo contato dos indígenas com manguezais e estuários. É assim que interpreto esse tipo de conectividade supracognitivo.
Não citaria um único documento. Ao longo das minhas mais de 7 décadas de passagem por aqui são muitos os registros da conectividade entre terra emersa e meio aquático, seja ele doce, salobro ou salgado. Da lenda da Iara nos rios da Amazônia até os relatos de Alexandre, o Grande, ao descrever em 325 a.C. as árvores crescendo em água salgada no Indo-Pacífico.
Poderia explicar para a gente o funcionamento dos principais ecossistemas marinhos que o Brasil possui?
R.: Eu poderia resumir como o próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) publicou em um trabalho feito a várias mãos e cabeças: é um Sistema Costeiro-Marinho. Todos os ecossistemas fazem parte da paisagem marinha, do mais raso até o mais profundo.
Na paisagem que ora está encoberta pela água, ora não e você consegue ver quando a maré abaixa, estão os manguezais. Também existem os recifes mais profundos e a plataforma continental. Neste sistema, não se pode impedir, por exemplo, que as larvas dos peixes passem por esses ambientes e vão formar cardumes adultos lá no mar, naquele azul profundo.
É tudo uma paisagem só. Um ambiente depende do outro para ter suas funções e, assim, também prestar os seus serviços gratuitamente, todos os benefícios que nós recebemos da natureza e não precisamos pagar, por enquanto.
Agora, se perturbarmos esses ambientes, vamos comprometê-los, perdê-los e teremos que pagar caro por uma alternativa, uma imitação, que nos entregue algo parecido com esse serviço que hoje é grátis.
Por que é importante proteger os ambientes costeiro-marinhos?
R.: Nós vimos os prejuízos tanto no caso das manchas de óleo no Nordeste, no ano passado, como neste ano a rebeldia do “sinistro” Salles, comandando o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) de tentar revogar resoluções (302 e 303). Isso pode fazer com que a gente perca os guardiões, os defensores na linha de costa. Defesas para nós, humanos, que até agora não têm um custo extra. Se perdermos nossas barreiras naturais, como recifes, praias, restingas e manguezais, podemos não encontrar alternativas fabricadas pelo homem que sejam tão eficientes para a proteção da zona costeira.
A senhora já vê um movimento de empreendimentos querendo se valer destas decisões para construírem em áreas até então protegidas?
R.: Em Salvador, na Bahia, por exemplo, na praia do Forte. Um resort conseguiu autorização para fazer uma muralha com a subida do nível do mar. Queriam fazer o muro, estava proibido. E tem outras obras do tipo. Tem gente que vende imóveis e passa o problema para o novo proprietário.
Mas quando a maré subir mesmo, o muro se vai. Em Olinda (PE), tem quarteirões inteiros derrubados, o mesmo no Espírito Santo. Tem problemas também em Iguape, em Ilha Comprida (litoral sul do Estado de São Paulo) e em outras regiões. A natureza é mais sábia e toma o espaço dela.
É possível reverter os danos das mudanças climáticas?
R.: Eu não vejo mais como reverter, pois o impacto vem de muitos anos. Existe sim uma mudança climática natural, que acontece há quatro milhões de anos. Porém, há uns 200 anos o homem começou a dar uma empurrada. No início ele não sabia, não foi por mal. Por exemplo, quando colocaram o distrito industrial em Cubatão. Ninguém fez isso por mal. Podem ter pensado que ali, estão perto do porto, que podem fabricar e importar facilmente. Essa era a ciência da época. Ninguém foi perverso.
Mas, com o passar dos anos, as coisas vão somando ou subtraindo e agravando um processo natural de aquecimento. Este processo foi acelerado pelo comportamento humano com a emissão de gases do efeito estufa, queima de combustíveis, incêndios, a derrubada de matas, exposição de solos, carbono liberado, entre outros.
O processo de intoxicação da natureza e da atmosfera recebeu uma ajuda do homem. Já ousamos falar em antropoceno. O homem passou a ser um agente modelador do planeta. Ele é tão potente que altera a composição da atmosfera.
O homem deixou de ser um parceiro da fauna para ser um agente que prejudica o próprio ambiente do qual depende. Os sistemas de governo brasileiro com os tomadores de decisão possuem uma perspectiva de apenas quatro anos, o horizonte deles é colado no nariz, não se preocupam com o que que vai acontecer depois desses quatro anos.
Poderia dar alguns exemplos práticos disso?
R.: Os efeitos do El Niño acontecem, principalmente, no litoral. Porém, até o dinheiro para combater estes impactos chegar no litoral já foi um vasto caminho. As providências não são tomadas, pois o decisor está em outra bolha. Ele não sente o que este fenômeno causa na linha de costa.
Em 1997, todo os diques que protegiam a Alemanha e Holanda haviam sido alterados em prevenção às mudanças climáticas por conta do aumento do nível do mar. Daqui a pouco vão ter que elevar o cais do porto de Santos, por exemplo. Tudo isso gerado por uma visão de curto prazo dos governantes.
Como podemos frear os impactos das mudanças climáticas?
R.: Enquanto não há perspectiva e iniciativa de se adequar a partir de novos aprendizados, não é possível. Precisamos tomar decisões à luz dos melhores conhecimentos. Por exemplo, não construir uma nova Cubatão, construir proteções do nível do mar mais efetivas, não deixar construir hotéis, resorts e casas em cima de restingas etc. Basta botar o horizonte um palmo adiante do nariz, não é muito.
Estamos no século 21, em um país privilegiado em termos de universidades, cientistas e pescadores com conhecimentos impressionantes. Ver imobiliárias comandando um “sinistro” de meio ambiente para que ele faça esse tipo de coisa é um problema psicológico. Nosso problema é de psicose coletiva, de ganância, de desvio do que é essencial em respeito à vida.
A partir de 2021, a ONU instituiu o período até 2030 como a Década da Ciência do Oceano. O que é isso? Qual a relação desta data com as pessoas?
R.: Isso é uma iniciativa que vai iluminar o desconhecido. Conhecemos muito, mas há espaço para conhecermos muito mais nessa iluminação que a ONU faz para uma imensidão ainda desconhecida, que é 70% da superfície do nosso planeta.
Essa luz é extremamente bem-vinda num momento que precisamos pensar desde o pequeno até o macro. Para as pessoas, essa iluminação é para mostrar a todos que cada um depende do outro para sermos essa unidade global que precisamos ter. Dependemos de outros humanos, mas também de uma série de outros parceiros no Oceano (animais, vegetais e microrganismos).
A senhora acredita que o Brasil terá um papel ativo em realizar ações na Década da Ciência do Oceano?
R.: Não vejo a sociedade civil separada de academia e de políticos. Vejo cidadãos e isso dependerá de todos.
Temos uma categoria que é de políticos, mas não vamos esperar deles. A academia tem seu projeto, mas precisa prestar contas à sociedade e levar um objetivo comum.
O brasileiro tem amor e respeito à pátria e cada um de nós sabe, lá dentro, o sentido do porquê estamos aqui, que há um compromisso. Nós fazemos parte de uma população, um povo que habita um país que conta não só com quem nasceu aqui, mas com quem chegou até nós. E, nessa união, não tem espaço para renegar outras etnias, cores, origens, não há espaço.
O Brasil pode ser considerada uma potência mundial em relação aos acordos internacionais para a área marinha?
R.: O Brasil é tão maior. Ele já construiu tanta coisa. Temos tantos símbolos nacionais. Será que este hiato de quatro anos vai chegar a comprometer o bom nome do Brasil? Vão-se os anéis e ficam os dedos. Os nossos anéis podem ir nesses quatro anos, mas os dedos vão continuar conosco.
Para terminar, as pessoas procuram as praias como um lugar para descansar e se divertir, sem muita reflexão sobre o a importância desse ambiente para o nosso bem-estar diário, os serviços ecossistêmicos. Como sensibilizá-las para refletirem sobre isso e agirem para a conservação ambiental?
R.: Eu falaria de cultura, de quantas manifestações culturais temos, também com muita influência africana, mesmo que não saibamos. No réveillon, por exemplo, por que vamos para o mar pular sete ondas? Isso é uma manifestação cultural de um sincretismo religioso.
Essa área marinha costeira brasileira tem um significado cultural muito grande. Com a elevação do nível do mar e erosão costeira, quando tivermos que compartilhar cimentos, tijolos, tudo quebrado, será que o prazer vai ser o mesmo?
Educacionalmente, precisamos mostrar a importância de cada um desses nossos guardiões do litoral. A natureza nos premiou e tudo que é bonito, é belo, tem um significado de existir. Não queira ser você o último a apreciar a beleza. Pense no seu filho, no seu neto, que também merecem ver toda essa beleza.
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